As Judiarias do Porto
Vista parcial da
cidade do Porto
Porto, a capital do Norte de Portugal, é
uma cidade metrópole que é constituída pelos municípios adjacentes que formam
entre si um único aglomerado urbano. Conta com cerca de 1,3 milhões de
habitantes, o que a torna a maior do noroeste peninsular.
É a cidade que deu nome a Portugal,
quando se designava Portus Cale, vindo mais tarde a tornar-se a capital do
Condado Portucalense. Devido ao seu caráter comercial atraiu desde muito cedo
os mercadores judeus.
Durante a Idade Média no Porto houve
três judiarias: a Judiaria Velha, a Judiaria de Monchique e a Judiaria Nova do
Olival que contaram, possivelmente com quatro sinagogas.
Localização das
Judiarias do Porto
Judiaria Velha
A Judiaria Velha ficava situada na parte
alta do morro da Sé, dentro da "cerca velha", também chamada
"muralha suévica", ali por perto da Rua da Aldas (hoje Rua do Arco de
Santa Ana) e perto das atuais Rua Escura e Largo do Colégio, onde ainda se pode
apreciar a planta medieval das ruas. Pouco se sabe dela, nem do ponto de vista
arqueológico, nem do ponto de vista documental, mas apenas que foi o núcleo
mais antigo da fixação de comunidades judaicas (século XIII). A “Comuna dos
judeus” era, por certo, um agrupamento social de artesãos e comerciantes,
tendo, sem dúvida, um pequeno edifício estruturalmente adaptado como sinagoga.
Localização da
Judiaria Velha no alto do Morro da Sé do Porto
Todavia, os comerciantes e artesãos judeus
estendiam a sua atividade pelas ruelas do morro até à baixa da Ribeira e da Rua
da Alfândega, junto ao rio Douro e perto da Basília de São Francisco, onde estava
o ancoradouro dos barcos, onde se movimentava o comércio e onde eles tinham as
suas lojas. Por este motivo, é provável que alguns Judeus tivessem levantado uma
sinagoga suplementar ou santuário quase doméstico na zona baixa, junto da que
se chamou a Rua da Munhata ou Minhota, entre os conventos de S. Domingos e de
S. Francisco (agora Rua do Comércio). Por um aforamento de 1386, sabe-se, de
facto, que os Judeus tinham uma sinagoga na loja do marinheiro Lourenço Peres,
situada na Rua da Munhata. Seria esta a chamada “Judiaria de Baixo” e era ali a
segunda sinagoga, que ficava por baixo da encosta da Vitória, onde, mais tarde,
se construiu a Judiaria do Olival e a sua sinagoga.
Judiaria de
Monchique
Na zona fluvial de Monchique (freguesia
atual de Miragaia), extramuros, formou-se posteriormente uma outra judiaria,
ocupando uma área que ia das Virtudes até ao Convento de Monchique, Rua da
Bandeirinha e Largo do Viriato.
Vista da zona de
Monchique/Miragaia
A partir do século XIII foi proibido
alugar ou vender-lhes propriedades dentro da Cividade onde se achava a Judiaria
Velha, devido a este facto os Judeus deslocaram-se para este local.
Nessa zona ainda persistem, ligados à
presença dos Judeus, vários topónimos: Monte dos Judeus, Escadas do Monte dos
Judeus, Largo dos Judeus ou Rua do Monte dos Judeus.
Judiaria de
Monchique
Na Rua do Monte dos Judeus em 1826 foram
encontradas as mais importantes inscrições hebraicas de Portugal, agora
exibidas no Museu Arqueológico do Carmo de Lisboa.
Escadas do Monte
dos Judeus
É nesta zona que por volta de 1380, o
rabino-mor do rei, D. Fernando Don Yahuda Ibn Maner, funda a terceira sinagoga
do Porto. Dela existe um documento notabilíssimo, que é a inscrição de
inauguração, a maior inscrição conhecida dos judeus em Portugal. Os judeus
tiveram, portanto, judiaria aberta em Monchique entre 1380-86. O local da
antiga sinagoga é desde o 1535 o Convento das Clarissas e a Capela do Convento
da Madre de Deus de Monchique.
Extinto convento
de Monchique
Muito perto, do lugar a que hoje chamam
“Monte dos Judeus” é que teria sido o cemitério judaico, o Maqbar. Porém, não
existe unanimidade no que toca à sua real localização. Enquanto uns
historiadores o situam no local do atual Palácio das Sereias/Mamudas no fundo
da Rua Bandeirinha, outros acham que terá sido muito para oriente no final da
Calçada das Virtudes, próximo da Igreja de S. Pedro de Miragaia.
Judiaria Nova do
Olival
Em 1386, o rei D. João I mandou instalar
os Judeus dispersos pelo Porto num espaço intramuros, justificando a medida por
questões de segurança (a eminência das guerras com Espanha) em simultâneo no
tempo, em que o espaço das antigas judiarias se tornara escasso para conter
todos os Judeus da cidade. D. João mandou a Câmara do Porto assinalar um lugar
apartado dentro dos muros da cidade para construir uma nova judiaria, sendo
escolhido o sítio do Olival.
O gueto judaico ocupava um terreno de 30
courelas e por ele se pagavam anualmente 200 maravedis, tal como estipulava o
contrato celebrado com a Câmara a 2 de Junho de 1388. Em pouco tempo e de forma
muito racional, os Judeus urbanizaram uma zona erma e economicamente
desinteressante, edificando eles a sua sinagoga e casas de habitação ao longo de
uma extensa artéria em L, que se denominou Rua da Judiaria Nova do Olival, pois
só anos mais tarde é que se rasgaria a Rua Nova ou Formosa, depois Rua Nova dos
Ingleses (atualmente Rua Infante D. Henrique) entre o Convento de S. Francisco
e a desembocadura da Rua dos Mercadores, por norma considerada como o primeiro
projeto urbanístico moderno do Porto.
Maqueta da
Judiaria do Olival do Porto
Esta judiaria construía um autêntico
gueto, o que permita controlar a movimentação dos Judeus. Aqui, estes tinham
liberdade de acção na cidade, comprando e vendendo, mas estavam obrigados a
recolher à judiaria à noite, ao toque de Trindades, na torre da porta do
Olival. Segundo o estatuto de “gente de nação” ou “os meus judeus”, como diziam
então os reis portugueses, a comunidade contava com oficiais próprios,
livremente eleitos, sendo a Comuna dos Judeus uma alternativa étnica à Câmara
dos Cristãos, uma espécie de concelho dentro do concelho.
A Judiaria Nova do Olival situava-se no
actual espaço do quarteirão da Vitória, nas ruas que hoje rodeiam a igreja de
Nossa Senhora da Vitória, entre o Mosteiro de São Bento e a Rua de Belmonte.
Arruamentos da
Judiaria do Olival do Porto
Este bairro judeu desenvolvia-se em
torno dum eixo principal (norte-sul) constituído pela Rua de S. Miguel (que
hoje corresponde às ruas de S. Bento da Vitória e de S. Miguel), em torno do
qual se abriam travessas perpendiculares, incluindo também a atual R. das
Taipas.
Rua S. Bento da
Vitória
Início da rua
entrando pelos Clérigos
À
direita, a Travessa de São Bento
Travessa
de São Bento
Rua S. Miguel da
Vitória
Foto
da esquerda: Início
da rua entrando pela R. de S. Bento
Ao fundo a
Igreja de Nossa Senhora da Vitória
Foto
da Direita: R. de S.
Miguel da Vitória entrando pela R. das Taipas
Era um burgo dentro do burgo, limitado a
norte por uma viela que seguia para as barreiras, ficando no seu exterior o
"outão" e o forno do Olival. Tinha duas portas, uma à entrada voltada
para o Largo da Porta do Olival (atual R. de São Bento da Vitória) e outra de
saída situada nas Escadas da Esnoga/Sinagoga (hoje Escadas da Vitória) e onde
se colocou uma placa a recordar esse nome.
Escadas da
Esnoga
Escadas
da Esnoga do Porto
Entroncamento
das Escadas na R. Vitória
A Sinagoga estava situada no topo das
Escadas da Vitória. Este local veio depois a ser ocupado pela Igreja de Nossa
Senhora da Vitória.
Igreja de Nossa
Senhora da Vitória
A igreja vista
da Rua da Vitória
Segundo uma hipótese, um pouco mais a
norte, no Passeio das Virtudes, localizar-se-ia o cemitério judaico do Porto.
Os judeus aqui viveram e prosperaram,
tendo assimilado, em 1487, os Hebreus expulsos de Castela. Aliás, em 1492,
quando da expulsão dos Judeus dos reinos de Espanha, o rei português D. João II
negociou com o rabino Isaac Aboab, rabino-mor (gaon) de Castela, o
estabelecimento de trinta famílias de Judeus expulsos na judiaria do Olival,
dando origem às trinta casas da courela dos judeus, como informa o médico
Emanuel Aboab na sua Nomologia.
O édito de expulsão de D. Manuel I de
dezembro de 1496 ditou o fim da Judiaria e muitos Judeus abandonaram o reino,
enquanto outros se convertiam ao cristianismo. Estes passaram a designar-se
cristãos-novos.
Quer porque muitos abandonaram as suas
casas, quer porque os que se converteram não queriam ficar ligados ao passado
judaico, o facto é que a zona desta antiga judiaria ficou quase deserta por
volta do século XVI. Então as casas desabitadas foram entregues a cristãos
velhos. Desta Judiaria é oriundo o célebre filósofo Uriel da Costa, que viveu
na cidade de Amsterdám (Holanda).
Pelas cartas régias de 1534 e 1539, o
rei ordena que os cristãos-novos que se tinham fixado na praça da Ribeira ou
noutros locais da cidade voltassem à rua de São Miguel (designação que incluía
as atuais ruas de São Bento da Vitória e de São Miguel).
No espaço das trinta casas da courela
dos judeus ergueu-se, no século XVI-XVII, o Mosteiro de São Bento da Vitória,
um mosteiro beneditino. Na padieira da portaria do mosteiro foi colocada uma
inscrição latina: "Quae fuerat sedes tenebrarum est regia solis. Expulsis
tenebris sol benedictus ovat". (O palácio foi a sede da escuridão do sol.
E ao expulsar a escuridão, o sol abençoou-a) Tal levou muitos historiadores a
suporem que tivesse sido aqui a sinagoga. Atualmente crê-se que teria sido na
igreja paroquial da Vitória.
Posteriormente, nos seus muros foi colocado um
Memorial Historiado e Litúrgico de mármore, em língua hebraica e portuguesa, em
recordação dos Judeus expulsos e dos que foram obrigados a converterem-se ao
cristianismo.
Sabe-se que muitos cristãos-novos
continuaram a praticar o judaísmo clandestinamente, no entanto, devido ao seu
velho e consistente passado judaico e devido a essa herança estrutural
“marrana” do Porto, inconsciente mas pressentida e intuitiva, a Inquisição
apenas funcionou no Porto durante dois anos e só realizou um auto-de-fé porque
o povo do Porto não a aceitou, e nem denunciava os que se esconderam e acabaram
por acolher os que passaram a ser cristãos-novos.
Nos princípios do século XVII,
mercadores com as suas lojas, gente de prol, mais tarde os magistrados e
funcionários do Tribunal da Relação passaram a viver na Rua da Judiaria Nova
(agora denominada de S. Miguel, mais extensa que a atual, porque abrangia
também a Rua de S. Bento da Vitória de hoje).
Quando em 1920 o militar Artur Carlos de
Barros Basto tentou a retomada do judaísmo entre os marranos, o Porto tornou-se
no centro das suas atividades. A congregação "Mekor Haim" foi
estabelecida em 1927. Em 1929 abriu-se a Sinagoga Kadoorie, albergando tanto a
congregação quanto o seminário de estudos religiosos. O templo da comunidade
israelita do Porto acha-se no bairro de Boavista, no nº. 340 da R. Guerra
Junqueiro. Na década de 1970 a comunidade judaica do Porto contava com 100
pessoas.
Em 2003, no decurso de obras numa casa
da Rua de S. Miguel (n.ºs 9-11) ter-se-á descoberto um Hejal/Ehal (arca santa,
ou Aron hakodesh o elemento central duma sinagoga), onde se guardam os rolos da
Lei (Torá), por detrás de uma parede dupla desse prédio. Este armário em nicho
foi descoberto após abater uma parede falsa no lado oriental da casa.
O armário judaico foi identificado por
arqueólogos e historiadores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
como um dos quatro existentes em Portugal, datando de finais do século XVI ou
inícios do século XVII. Crê-se ser esta a sinagoga clandestina referida pelo
médico Emanuel Aboab na sua Nomologia, publicada em Amesterdão em 1629.
Desde 2012 o imóvel do achado é
considerado Imóvel de Interesse Público.
Fontes: