sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Isaac de Castro Tartas – Um Mártir Judeu

 


Em Tartas, localidade francesa da Gasconha, pelo ano de 1625, nasceu uma criança que foi baptizada com o nome de Tomás Luís.

Seus pais (Cristovão Luís e Isabel da Paz) eram cristãos novos de Bragança, fugidos da Inquisição. Ambos se ligavam à família de Oróbio de Castro.



Do álbum de Angel Gabriel Rodriguez



Em Castro viveria até aos 11 anos, altura em que foi para Bordéus estudar gramática e filosofia. Em 1639, a família deixou a França e rumou para a Holanda, fixando-se na cidade de Amesterdão. Ali aderiram abertamente ao judaísmo, fazendo-se circuncidar e tomando nomes hebraicos. Tomás Luís passou a chamar-se Isaac de Castro.

Não sabemos em pormenor que escola frequentou, mas é incontestável que acumulou vastos conhecimentos talmúdicos, conforme ficaria demonstrado ao longo do processo a que foi submetido. Sabemos também que ele dominava perfeitamente o hebraico, o grego, o latim e o francês, para além da língua paterna. Tentou também estudar medicina, matriculando-se para isso na universidade de Leiden mas que por alguma razão, logo a abandonou.

Sendo um jovem muito inteligente, com boa preparação filosófica e teológica, as autoridades judaicas de Amesterdão enviaram-no para o Brasil com a finalidade especifica de ensinar a lei dos judeus. Aliás, ele seguiu para ali como acompanhante do seu “tio” Moses Rafael de Aguilar e do rabino Aboah da Fonseca. E assim andaria o jovem Isaac por terras do Brasil Holandês (Paraíba, Olinda, Recife…) por 3 ou 4 anos.



O retrato é do comentarista, Aboab de Fonseca, que não foi apenas o primeiro rabino do Brasil, mas também o primeiro rabino a ir para a América.



Em dezembro de 1644 tinha já abandonado Pernambuco e encontrava-se na cidade portuguesa da Baía. O objectivo seria catequisar os cristãos-novos que ali havia e levá-los de regresso ao judaísmo para isso precisava de se apresentar como cristão, pois caso contrário seria logo preso. Seguindo esta estratégia, a primeira coisa que fez, foi mudar o nome para Joseph de Lis e apresentar-se ao Bispo da Baía, contando-lhe que nascera em Avinhão, terra governada pelo Papa de Roma, onde era permitido ser judeu e que por esse motivo ele não fora baptizado mas sim circuncidado uma vez que seus pais eram judeus e também ele toda a vida tinha sido judeu mas que agora reconhecera que a verdadeira religião era a católica. Por esse motivo vinha humildemente pedir para ser baptizado e admitido na igreja católica romana.



O mapa de Nicolaes Visscher mostra o cerco a Olinda e Recife em 1630



O bispo desconfiou e depois de algumas investigações mandou prendê-lo e remetê-lo à Inquisição de Lisboa. As razões apontadas podem resumir-se neste testemunho de um familiar do santo ofício que o prendeu: O dito judeu que se chamava Joseph Lis e dizia vulgarmente que viera a esta cidade a chamado de alguns homens da nação hebreia para lhes vir ensinar as cerimónias judaicas…(1)”


Embarcado na Baía a 5 de janeiro de 1645, chegou a Lisboa a 15 de março seguinte. Impossível resumir aqui o seu processo verdadeiramente exemplar em diversos pontos de vista. Desde logo pelos estranhos companheiros (espias) que o meteram no carcere: dois padres sodomitas que o denunciaram por rezar e “gaiar” à maneira dos judeus e fazer muitos jejuns, sempre com os pés descalços e a cabeça coberta. Explicará ele aos inquisidores que cobria a cabeça onde se gravam pensamentos imundos e por isso “era imunda e não se podia falar com Deus com ela descoberta”.

Mas o que é “verdadeiramente notável” (2), é um texto de 34 páginas que o jovem “rabi” apresentou para fundamentar a sua crença na lei de Moisés que “não tem coisa repugnante à razão e à verdade natural”, considerando alguns que esta foi uma das primeiras formulações do “direito universal natural à liberdade de consciência”. Mas vejam as suas próprias palavras, em resposta aos inquisidores que o aconselhavam a renunciar à sua fé:

 

“Disse que ele não seguia a lei de Moisés por ser ou não ser baptizado nem duvidar que a podia seguir livremente, senão por lhe parecer melhor para a salvação” (3)”



Terreiro do Paço - (Séculos XVI  e XVIII) (Desenho de Matthaus Santer) LISBOA



E se os homens podiam salvar-se seguindo os preceitos da natureza, ele, por ser hebreu, nascido de pais hebreus e “…sujeito às leis do povo israelítico, não podia haver salvação senão na crença de Moisés”. Fundamentando este argumento, referiu que apesar de todas as “perseguições, calamidades e trabalho de tão longo cativeiro, como tem padecido e padece o povo de Israel, não só não é acabado, mas antes se multiplica e cresce” mais que nenhum outro. E mais ainda: o povo hebreu é tão abençoado por Deus que até os cristãos têm por adágio: corre-lhe o maná como a judeu”.

 

E não apenas os judeus são por Deus beneficiados em riqueza mas até os povos que os admitem entre eles, assim, “…entre as nações do Norte se tem entendido o mesmo, por se experimentar que os aumentos daqueles Estados se ocasionaram na felicidade dos judeus que ali vivem, porque entrando pobres nas ditas províncias, não só se enriqueceram a si mas a todos os moradores delas como estes mesmo confessam”.

 

Impossível resumir aqui todo o seu processo. Diremos tão só que desde o início ele foi tido pelos inquisidores como “judeu profitente” e no próprio carcere lhe foi apreendida uma “nomina” (tefilin) – Duas peças de couro cosidas a maior parte, contendo orações judaicas para por na testa e no braço.

Prova de que os inquisidores o consideravam “professor da lei”, encontra-se no processo de Tomás Gomes, um jovem que foi então apanhado com um “Selly hot”. Chamado a explicar o que aquilo significava, Joseph Lis disse que:

 

“Selly Hot quer dizer madrugada em hebraico (4) e que tem uma cerimónia que os judeus fazem rezando e tendo atos de contrição por um espaço de 40 dias, se começa no mês de agosto e acaba a 10 da lua de setembro.  em que é então o jejum solene que se chama Kipur…”

 

Tentaram os inquisidores reduzi-lo à fé cristã, enviando-lhe os mais qualificados mestres de teologia, mas o jovem “rabi” para tudo encontrava argumentos. Um dos qualificadores concluiu assim: “Digo que esta pessoa me parece tão pertinaz na crença da lei de Moisés, que se deixava queimar vivo por ela.”(5)

 

Na verdade, assim aconteceu. A 15 de dezembro de 1647 foi queimado vivo.



Auto-de-fé no Terreiro do Paço (Lisboa)


E enquanto a fogueira se acendia e as chamas crepitavam, Isaac de Castro Tartas cantava o Shemá.”


Shemá Yisrael, Ado-nai Elohenu, Ado-nai Echad.

Escuta Israel, o Eterno é nosso D-us, o Eterno é um.


Na verdade, ele foi um verdadeiro mártir do judaísmo.




O meu muito obrigada pela permissão de publicação deste artigo ao senhor Henrique Martins:


Fontes/Notas

https://5l-henrique.blogspot.com/2016/06/nos-transmontanos-sefarditas-e-marranos_21.html

 

1 – ANTT, inquisição de Lisboa, processo 11550, de Joseph de Lia, tif.67.

2 – COELHO, António Borges, A Inquisição de Évora 1533-1568. Pp. 268-270, ed. Caminho, Lisboa,2002.

3 – ANTT, pº 11550. Tif.160

4 – ANTT,  inquisição de Lisboa, pº11560, de Tomás Gomes, tif.47.Pub.ANDRADE e GUIMARÃES, Na Rota dos Judeus: Celorico da Beira, ed. Câmara Municipal de Celorico da beira, 2015.

5 – ANTT, pº 11550, tif 151.

Por António Júlio Andrade / maria Fernanda Guimarães

In: jornalnordeste.com

https://en.wikipedia.org/wiki/Isaac_Aboab_da_Fonseca

Do álbum Angel Gabriel Rodriguez, por Angel Gabriel Rodriguez

 https://www.geni.com/photo/view/6000000040896928849?album_type=photos_of_me&photo_id=6000000142256376833

https://www.geni.com/people/Isaac-de-Castro-Tartas/6000000040896928849

https://www.youtube.com/watch?v=PYg0gWubwt8

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=tqa-S4e9isE&feature=emb_title

https://pt.wikipedia.org/wiki/Invas%C3%B5es_holandesas_no_Brasil#/media/Ficheiro:Nicolaes_Visscher_-_Pharnambuci_(Pernambuco,_Brazil).jpg

http://oridesmjr.blogspot.com/2011/07/o-brasil-na-rota-do-oriente.html

https://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/2014/09/terreiro-do-paco-i.html