quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

JERUSALÉM | II Parte




Cidade Santa das Três Religiões Abraâmicas


Vista de Jerusalém, Braun & Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum, 1582, Colónia

     No seguimento da conquista otomana de 1517, a Palestina foi dividida em quatro distritos agregados a Damasco e governados a partir de Istambul (antiga Constantinopla). No dealbar da era otomana, estima-se em 1000, o número de famílias judias a viver no território, principalmente em Jerusalém, Nablus (Shechem), Hebron, Gaza, Safed e Galileia. A comunidade era composta de descendentes de judeus que nunca abandonaram a antiga Terra de Israel, e de imigrantes do Norte de África e da Europa.

     A primeira metade do século XVI foi uma época de prosperidade para Jerusalém, e bem assim para todo o império turco. Com Solimão, o Magnífico (sucessor de Selim I), Jerusalém beneficiou de uma série de projectos que contribuíram para o seu desenvolvimento e até um certo esplendor. Solimão edificou muralhas para defender a cidade de ataques inimigos (as mesmas que ainda hoje circundam a Cidade Velha), reparou o sistema de abastecimento de água, construiu várias fontes (sabils) e redecorou as paredes exteriores do Domo da Rocha com temas florais de inspiração persa, que podem ser admirados até aos nossos dias.  



Ernest Richmond (1874-1955), “Decoração Floral do Domo da Rocha, Jerusalém”, aguarela, Victoria & Albert Museum, Londres


       Jerusalém, apesar de um começo auspicioso sob domínio otomano, conhece entre os séculos XVII e XIX um longo período de decadência. O governo central em Istambul era fraco e ineficiente; os governadores locais, com poucas ou nenhumas ligações à cidade e à região, tinham como principal preocupação, não o bem-estar das populações, mas o enriquecimento pessoal; as terras eram em grande parte propriedade de senhorios ausentes, abandonando os agricultores ao empobrecimento; a segurança no território degradara-se, sobretudo nas estradas, o que se reflectiu no número cada vez menor de visitantes. Cada vez menor era também a população de Jerusalém, que ficou reduzida a menos de 10 000 habitantes.


William Turner, “Monte Moriah”, gravura de E. Finden, 1835-36


    A situação modificar-se-ia radicalmente no século XIX. Foram vários os factores que, simultaneamente, influenciaram o crescimento da população e o desenvolvimento urbano de Jerusalém. Podemos agrupá-los em três categorias: reformas no aparelho legal, administrativo e político do império otomano; imigração judaica e construção de novos bairros; actividades das “Grandes Potências” e de grupos cristãos estrangeiros.


Gustav Bauernfeind, “À entrada do Monte do Templo” (detalhe. A cena descreve um grupo de judeus do lado de fora de uma das entradas do Monte do Templo – a Porta dos Mercadores de Algodão - e do lado de dentro um grupo de muçulmanos, um deles em pé, segurando um sabre), 1886, Colecção Privada


    As reformas em Jerusalém não começaram com os otomanos. Em 1831, forças egípcias lideradas por Mohammed Ali e pelo seu filho Ibrahim Pasha conquistaram e ocuparam o Egipto, a Palestina e grande parte da Síria. Os novos senhores egípcios realizaram uma série de reformas que tiveram um grande impacto nos assuntos legais e políticos do território, com efeitos duradouros, mesmo após a retoma do poder pelos turcos, nove anos mais tarde.

     Estas reformas abrangiam: direitos legais extensíveis a não-muçulmanos, acabando com a situação de cidadãos de segunda classe, a quem até ali era cobrada uma taxa especial per capita; reorganização da administração regional; criação de gabinetes de aconselhamento municipal (majlis); reforço da Lei e Ordem, incluindo a segurança nas estradas, factor que fez de Jerusalém, e do restante território, um destino mais seguro para os visitantes. 


    David Roberts, “Cripta da Igreja do Santo Sepulcro”, gravura de Louis Haghe, 1842


    Em 1840 os turcos otomanos, com o auxílio de várias potências europeias, expulsaram os egípcios da região. Os turcos continuaram a exercer uma política de reformas, conhecida por Tanzimat, que compreendia uma abordagem mais liberal a assuntos não-muçulmanos. Esta abordagem mais liberal a estrangeiros e a não-muçulmanos, incentivou uma crescente emigração judaica para Jerusalém (tanto interna, como externa), assim como actividades cristãs das “Grandes Potências” Ocidentais, especialmente através de diplomatas e missionários.

     Foi em 1840 que, pela primeira vez, um bispo protestante (inicialmente numa união anglicano/luterana) foi designado para Jerusalém; foi construída a primeira igreja protestante — a Igreja de Cristo; o Patriarca Latino e o Patriarca Grego Ortodoxo voltaram a estabelecer residência em Jerusalém, depois de um longo interregno. Os anglicanos empenharam-se em actividades missionárias, destinadas a converter judeus ao cristianismo. Com este objectivo, fundaram escolas e um hospital.

     Académicos britânicos, franceses e norte-americanos lançaram estudos de geografia e arqueologia bíblica; a Grã-Bretanha, a Prússia, a França, a Áustria, os EUA, a Grécia, a Noruega e a Pérsia, abriram consulados em Jerusalém. Estes consulados gozavam de direitos particulares, conhecidos como capitulações, que isentavam os cônsules e respectivos concidadãos das leis locais turcas.


Rua de Jerusalém, 1880. Fotógrafo: Felix Bonfils


     Em 1863, Jerusalém tornou-se a segunda cidade do Império Otomano a ser reconhecida como município (a primeira foi Istambul). À frente dos destinos do município estava um muçulmano, assessorado por conselheiros representantes das várias comunidades religiosas, incluindo representantes dos ashkenazim e dos sefarditas. De salientar que neste período de meados do século XIX, as comunidades cristãs e judaicas foram beneficiadas, ao contrário dos muçulmanos, que não contaram com apoio diplomático ou filantrópico. Ademais, a concessão de direitos a não-muçulmanos provocou um decréscimo de autoridade legal e de rendimentos dos clérigos muçulmanos, que durante séculos foram favorecidos com as taxas especiais impostas a judeus e cristãos.


“Jerusalém, a Muralha onde os Judeus vão chorar”, 1875. Fotógrafo: Felix Bonfils.  GADCOLLECTION



Jerusalém. O Bairro Judeu visto do Monte do Templo. Matson Photograph Collection, 1898-1914. Library of Congress, Washington, D. C.


   O rápido crescimento da população judaica em Jerusalém, aliado ao facto de os residentes judeus serem pobres, provocou uma grave crise de habitação.  A par da sobrelotação, havia também a questão de um sistema sanitário obsoleto, que em muito contribuía para as frequentes epidemias que assolavam a cidade.      Em 1850 a família Rothschild, de forma a aliviar as duras condições em que os seus correligionários viviam, construiu um conjunto de apartamentos — Batei Mahaseh —, solução que se revelou temporária.


  As primeiras casas e o moinho-de-vento em Mishkenot Sha’ananim


     Por essa altura Sir Moses Montefiore (genro dos Rothschild) visitou a cidade. Dando-se conta do estado deplorável em que os judeus viviam, tentou, debalde, adquirir habitações para resolver o problema. Surpreendentemente, recebeu uma generosa oferta do governador turco de Jerusalém: um lote de terreno numa colina a oeste da cidade. Em 1857, Montefiore importou um moinho-de-vento da Cantuária, Inglaterra, que instalou naquele terreno, de modo a providenciar farinha mais barata aos judeus pobres de Jerusalém.

     A resposta para aliviar a crise habitacional de Jerusalém chegaria três anos mais tarde, quando Montefiore, com fundos de Judah Touro, um magnata de Nova Orleãs, construiu perto do moinho-de-vento o primeiro bairro residencial fora das muralhas de Jerusalém — Mishkenot Sha’ananim. Nos vinte cinco anos que se seguiram seriam construídos mais sete bairros judeus, constituindo o núcleo da Cidade Nova.


Jerusalém. A Piscina de Ezequias. Matson Photograph Collection, 1898-1914. Library of Congress, Washington, D. C.


     A água que se encontrava à disposição do povo de Jerusalém estava repulsivamente contaminada com toda a sorte de detritos, criando condições favoráveis à cólera que, todos os anos, cobrava um elevado preço em vidas humanas. Em 1864 foi formada a Sociedade de Ajuda à Água de Jerusalém, sob o patrocínio dos Montefiore, dos Rothschild e de membros do clero e da nobreza de Inglaterra. Em 1865, um grupo de distintos académicos britânicos e membros do clero anglicano fundaram o Fundo para a Exploração da Palestina (The Palestine Exploration Fund). Entre os membros da nobreza que patrocinavam o projecto estava a baronesa Angela Burdett-Coutts, a segunda mulher mais rica do mundo, depois da rainha Vitória.


  Jerusalém. A Porta de Jafa, “Jerusalem Tour”, 1895-1904, Underwood & Underwood, Londres


    Graças ao entusiasmo de estudiosos da Geografia e da Arqueologia Bíblica, cuja motivação era tão espiritual como científica, e da acção de filantropos judeus e cristãos, o progresso fez-se sentir na então arruinada Palestina. Sem esquecer a abertura do Canal do Suez, em 1869, que acelerou o comércio entre os três continentes, foram dados passos fundamentais para o desenvolvimento da região, de Jerusalém em particular. Por exemplo: a instalação do correio postal e do telégrafo; a realização de carreiras regulares de navios a vapor entre a Europa e a Terra Santa; a construção da primeira estrada e da linha férrea que ligou Jerusalém à cidade portuária de Jafa, etc.



Départ de Jérusalem en chemin de fer, 1896, Alexandre Promio

     Lançado pelos irmãos Lumière em 1897, Départ de Jésusalem en Chemin de Fer é um de nove filmes realizados em Jerusalém, por Alexandre Promio. Mostra a despedida de transeuntes no cais da estação de caminhos de ferro em Jerusalém.


Sala de Aula, Orfanato Feminino Chabashim St., Jerusalém, 1912. Fotógrafo: Tzadok Bassan


    Durante a segunda metade do século XIX Jerusalém conheceu uma oferta muito variada de oportunidades na área da educação, tanto para rapazes, como para raparigas. Membros do Movimento Iluminista Judaico e filantropos da Diáspora, através de organizações como a Alliance Israelite Universelle ou a Hilfsverein Deutschen Juden, fundaram escolas modernas para judeus, que juntavam aos seus currículos matérias seculares e algumas o ensino da língua hebraica.  A princípio estas escolas contaram com uma oposição feroz das escolas tradicionais judaicas — Haredim (estritamente religiosas). 

     Outra contribuição importantíssima foi a de missionários estrangeiros.  Fundaram diferentes tipos de escolas que tiveram um papel relevante, especialmente na educação dos cristãos, sendo que na parte final do século as autoridades otomanas tenham admitido a inclusão de estudantes muçulmanos. Em 1891 o Governo abriu uma escola muçulmana para raparigas.

Número de estudantes das escolas de Jerusalém, em 1882, por tipo de escola e por género dos estudantes




Academia Bezalel, Jerusalém. Aula de Pintura do Professor Abel Pann, 1912. Fotógrafo: 
Yaacov Ben-Dov


   As oportunidades, tanto educativas, quanto intelectuais, proporcionadas por estas escolas, primeiro, incrementaram o número de pessoas educadas em Jerusalém; segundo, os estudantes, para além do hebraico, do árabe e do turco, foram educados noutras línguas, como o francês, o inglês, o alemão, o grego, o latim ou o russo. Estes conhecimentos, não só lhes abriram novas perspectivas, como os prepararam para trabalhos na área da diplomacia, das missões estrangeiras, como professores, tradutores, intérpretes, etc. Terceiro, estes quadros diferenciados reuniram condições para prestar serviço no governo otomano, um grupo mais tarde mobilizado para a administração do Mandato Britânico. Quarto, estes novos projectos educativos permitiram aos estudantes o acesso a outras estruturas de ensino mais especializado, para continuarem os seus estudos.


Porta de Jafa (lado oriental), Alexandre Promio, Jerusalém, 1897


    Nos finais do século XIX Jerusalém contava com 17 hospitais, 54 escolas e um número significativo de periódicos, impressos nas mais variadas línguas. Jerusalém era uma cidade multicultural, onde as três religiões abraâmicas com as suas diferentes etnias conviviam cordialmente. Mas o fim do Império Otomano, cujo desmembramento estava em curso desde o século XVIII, traria mudanças profundas. Em 1917 os Britânicos entraram em Jerusalém, pondo termo a 400 anos de domínio turco na Palestina.

Este artigo é da autoria de:
Sónia Craveiro

Muito obrigada J


Fontes:

JERUSALÉM | I Parte




Cidade Santa das Três Religiões Abraâmicas



William Turner, “Jerusalém vista do Monte das Oliveiras”, 1834


«Se eu te esquecer, oh Jerusalém, /que a minha mão direita fique seca!
Que a minha língua se prenda, /se eu perder a tua lembrança,
se eu não elevar Jerusalém/ao cume da minha alegria!»


Canto dos filhos exilados de Israel
 (Salmo 137: 5-6)


«Oh Jerusalém, tu que matas os profetas/e apedrejas os que te foram enviados!
Quantas vezes Eu quis juntar os teus filhos/como a galinha junta
os pintos debaixo das asas, mas tu não quiseste!»


Jesus contemplando Jerusalém no Monte das Oliveiras
Mateus 23:37



«Oh Jerusalém, terra eleita de Alá e pátria/dos Seus servidores!
Foi dos teus muros que o mundo/se tornou mundo.
Oh Jerusalém, o orvalho que cai sobre ti/cura todos os males, pois vem dos jardins do Paraíso!»

 Hadiths, palavras do profeta Maomé



Caravaggio, “O Sacrifício de Isaac”, 1603, Galeria Uffizi, Florença


     A palavra Jerusalém — Yerushalayim em hebraico — aparece pela primeira vez no Livro de Josué (Josué 10:1). Jerusalém — mais concretamente o Monte do Templo (em alusão ao Templo de Salomão), assim chamado por judeus e cristãos, designado Nobre Santuário pelos muçulmanos, é um lugar sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos.
     O Monte do Templo, originalmente Monte Moriah, foi palco de importantes passagens bíblicas. Acredita-se que foi lá que Abraão quase sacrificou o seu filho Isaac (Gen.22:1-2).



Livro do Divino Sacrifício, fol.41v, Mishneh Torah, 1457, Norte de Itália, 
Museu de Israel


     O lugar da “pedra do sacrifício” (a Sagrada Pedra de Abraão), foi eleito pelo rei David para construir um santuário onde acolher a Arca da Aliança, o objecto mais sagrado do judaísmo. David incumbiu o seu filho Salomão de erguer no local um templo que substituísse o Tabernáculo — o Primeiro Templo (Templo de Salomão) —, cuja destruição por Nabucodonosor II, em 586 AEC, deu início ao exílio da Babilónia. No mesmo local, findo o cativeiro na Babilónia, seria reconstruído o Segundo Templo, concluído e dedicado em 516 AEC.
     Por volta de 19 AEC, Herodes, o Grande, iniciou um projecto majestoso de expansão do Templo.  Do Templo de Herodes, arrasado pelos romanos em 70 EC, restou apenas a Muralha Ocidental — Muro das Lamentações —, que constitui actualmente o local mais sagrado do judaísmo. 


Abraão sacrificando Ismael, Antologia do Sultão Iskandar (vol.2, fol.326v), c.1410, Pérsia, Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa


    Para os muçulmanos, o episódio do sacrifício do filho de Abraão (Ibrahim) aconteceu no mesmo local, mas com Ismael, filho do Patriarca e de Agar; Ismael, a quem, juntamente com seu pai, a tradição islâmica atribui a fundação do templo mais sagrado do Islão — o santuário de Caaba, em Meca. Jerusalém é o terceiro lugar mais sagrado do islamismo (depois de Meca e Medina), por se referir à jornada nocturna (Isra)de Maomé de Meca a Jerusalém. 


Ilustração de Khamsa (Cinco Poemas) de Nizami, Tabriz, Pérsia, c.1539-43.  British Library, Londres. Descreve a Jornada Nocturna de Maomé (Isra) para Jerusalém, cavalgando Buraq, a sua montada alada com face humana, seguida da sua Ascensão (Mir’aj), para conversar com Abraão, Moisés e Jesus.


     Em finais do século VII, encontrando-se Jerusalém sob domínio dos omíadas, foi erguido no local onde outrora se ergueu o Templo, um santuário octogonal com cúpula — o Domo da Rocha. Lá, conforme a visão islâmica, teve lugar a ascensão (Mi‘raj) da alma de Maomé ao Paraíso. 


Ilustração otomana da Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, 
Turquia, séc. XVIII


     Na área que circunda a rocha foram construídas várias estruturas, entre elas a grande mesquita Al-Aqsa. Os muçulmanos chamaram a este espaço Esplanada das Mesquitas ou Haram al-Sharif (Nobre Santuário). 


Gregório Lopes, Enterro de Cristo, 1539, MNAA, Lisboa


     Na interpretação cristã, o sacrifício de Isaac prefigura o sofrimento de Cristo. Em Jerusalém, o rochedo chamado Gólgota é identificado como o local onde Cristo foi crucificado, e o túmulo dito Anastasis (ressurreição em grego) é reconhecido como o local onde foi sepultado e onde, segundo a fé cristã, ressuscitou no Domingo de Páscoa. Como tal, são considerados dos locais mais sagrados do cristianismo.  Neste ponto afigura-se oportuno ouvir a Ária “Erbarme dich, mein Got” (Tem piedade de mim, meu Deus) da Paixão segundo S. Mateus, de Bach, uma obra-prima da História da Música.  

Nota: Paixão, do latim passio (sofrimento), é a história da crucificação de Jesus contada nos quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.


Erbarme dich, mein Gott, um meiner Zähren willen!
Schaue hier, Herz und Auge weint vor dir bitterlich.


Tem piedade, meu Deus, pelas minhas lágrimas!
Vê como o meu coração e os meus olhos
choram amargamente na tua Presença.

Tem piedade, meu Deus!




Bach: Erbarme dich, mein Gott (Matthäuspassion) - Galou (Roth)




Arco de Tito, em Roma. Relevo interior: marcha triunfal de Tito, em Roma, com a exibição dos tesouros apreendidos no Templo de Jerusalém.


   Entre 66-73 EC, durante a primeira guerra judaico-romana, as Legiões Romanas destruíram Jerusalém. O exército de Tito celebrou a vitória com uma marcha triunfal pelas ruas de Roma, em que exibiu os prisioneiros e as pilhagens, nomeadamente o mobiliário e os utensílios do Templo. Em Jerusalém, a população judaica foi substituída por soldados da Décima Legião, respectivas famílias e alguns civis oriundos da Síria e territórios vizinhos.      

     Na sequência da destruição de Jerusalém, o imperador Adriano, de visita à cidade em 130, ordena a sua reconstrução.  A nova cidade seria chamada Aelia Capitolina e obedeceria a um plano de características estritamente romanas, portanto pagãs. Para impedir o culto de judeus e cristãos, Adriano ergueu no local da Crucificação, um templo dedicado a Vénus, e no Monte do Templo, um outro dedicado a Júpiter.



Moeda cunhada por Bar Kochba: numa face a fachada do Templo; 
na outra, um lulav com a inscrição «Pela Liberdade de Jerusalém»


    Em 132 Simão bar Kochba revoltou-se contra os romanos, chegando mesmo a cunhar moeda com a inscrição «Pela Liberdade de Jerusalém». Por fim, os romanos optaram por uma guerra de desgaste que praticaram até à capitulação dos rebeldes, o que se verificou em 135. A Revolta de Bar Kochba custou milhares de vidas judaicas e também romanas. Adriano, como retaliação, numa tentativa de apagar a memória dos reinos de Judá e de Israel, criou uma nova província imperial, resultante da fusão da Síria e da Judeia, a que chamou Syria Palaestina.

     As medidas punitivas de Adriano que baniam a Torah, o estudo, a circuncisão, ou o cumprimento do Shabbat, foram todas revogadas no reinado do seu sucessor, Antonino Pio. Aos judeus, só foi mantida a proibição de entrar e de residir em Jerusalém, à excepção da lamentação anual no nono dia de Av — Tisha Beav —, data da destruição do Templo.



Jerusalém com a Cardo Maximus (avenida principal) de Aelia Capitolina, Mapa de Madaba em mosaico bizantino, séc. VI EC, Igreja de São Jorge em Madaba, Jordânia


    Com o decorrer dos anos, Aelia Capitolina, a única cidade do Império Romano que foi criada e colonizada pelo exército (na realidade, uma base militar para prevenir eventuais revoltas), perdeu a sua utilidade e em 289 a Décima Legião foi transferida para Eilat. Por esta altura as relações entre Roma e os judeus estavam pacificadas, acabando por se radicar em Jerusalém uma pequena comunidade judaica.



Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, Nathaniel Everret Green (1823-99)


     No início do século IV o Império Romano ainda era pagão, mas em 313 o imperador Constantino abraçou o cristianismo. Na prática, isto significou que o cristianismo passou a ser religião oficial de estado. Contudo Jerusalém permaneceria Aelia Capitolina até 324, ano em que Constantino conseguiu o pleno domínio do seu império, cuja capital foi transferida de Roma para Bizâncio, depois denominada Constantinopla.

     Em 325 realizou-se o Primeiro Concílio de Niceia, perto de Constantinopla, onde estiveram presentes 318 bispos de todo o Império Romano, incluindo Macário, bispo de Jerusalém. No seguimento do Concílio, é identificado em Jerusalém o local do túmulo de Jesus: uma caverna que se encontrava por baixo do templo de Vénus, erigido por Adriano. No seu lugar, Constantino manda construir Anastasis — a Igreja da Ressurreição, precursora da actual Igreja do Santo Sepulcro, o santuário mais sagrado do cristianismo em Jerusalém.



Peregrinos em frente à Igreja do Santo Sepulcro, “Livro das Maravilhas do Mundo”, fol.274, Mestre de Boucicaut (activo em Paris entre 1390-1430), BNF, Paris


      A partir de Constantino até ao século VII, Jerusalém foi de novo interdita aos judeus, a não ser uma vez por ano, a partir de 430, quando a imperatriz Eudócia (consorte de Teodósio II) conseguiu licença para a peregrinação de Tisha Beav.      Ao adoptar o cristianismo como religião oficial do império, Roma passa a designar a Palestina por “Terra Santa”. Jerusalém prospera, transformando-se num importante centro de peregrinação da cristandade, onde afluem cristãos de todas a regiões do império.

     Em Maio de 614 o rei Cosroes II da Pérsia conquista Jerusalém, destruindo praticamente todas as igrejas e mosteiros, e dizimando a população; em 629, a cidade é reconquistada pelo imperador Heráclio de Bizâncio. Todavia, onze anos mais tarde, em 637, os exércitos sarracenos comandados pelo califa Omar conquistam a Palestina bizantina, passando a controlar Jerusalém.



Nicola Said, “O Califa Omar em Jerusalém”, 1920, Fundação 
Khalid Shoman, Amã, Jordânia


    Com a conquista árabe, judeus e cristãos foram autorizados a regressar à cidade, mediante certas condições, entre elas, o pagamento da jiziya (imposto exigido a cidadãos não-muçulmanos num estado islâmico).

    Durante os dois séculos seguintes, enquanto os poderes árabes disputavam entre si o controlo da região, Jerusalém foi definhando. Ao mesmo tempo que os senhores do Oriente ignoravam Jerusalém, no Ocidente, o imperador Carlos Magno (742-814) teve uma acção muito dinâmica no reflorescimento das obras cristãs na cidade.



A conquista de Jerusalém por Godofredo de Bulhão, Roman de Godefroy de Bouillon et de Saladin, Paris, 1337. BNF, Manuscrits (Fr 22495 fol.69v)


    O século XI foi difícil para Jerusalém: em 1009, o soberano fatímida Al-Hakim ordenou a destruição de todos os lugares santos cristãos da cidade. Como consequência, os cristãos, tanto residentes como peregrinos, foram vítimas de perseguições e de maus tratos. Estes ataques provocaram várias rebeliões locais, que, por sua vez, derivaram em ataques violentos às comunidades judaicas. Em 1071, os turcos seljúcidas conquistaram Jerusalém aos fatímidas, mas brutalizaram-na de tal forma que a Yeshiva Palestiniana se mudou para Tiro.

     Finalmente, em Julho de 1099, os cruzados chefiados por Godofredo de Bulhão (que viria a ser o primeiro regente do Reino Latino de Jerusalém) conquistaram a cidade santa aos muçulmanos. De acordo com as crónicas do arcebispo Guilherme de Tiro (Jerusalém, c.1130-Tiro, 1185), os cavaleiros cristãos chacinaram os judeus e os muçulmanos locais. De uma população de cerca de 40 000 pessoas, sobreviveram apenas algumas centenas, posteriormente vendidas como escravas.



Mapa do Reino Latino de Jerusalém, c. 1200, fragmento de Saltério, Biblioteca Koninklijke, Haia (Jerusalém está representada dentro do círculo; em baixo os cruzados protegem-na dos ataques islâmicos)


      Entretanto, judeus e muçulmanos foram proibidos de viver em Jerusalém: os cruzados consideraram a sua presença um insulto para a santidade da cidade. Com a chegada de novos residentes a Jerusalém, a cidade organiza-se em bairros divididos por etnias. Os novos residentes eram na sua maioria europeus, especialmente franceses, havendo também húngaros, espanhóis, alemães, etc. Enquanto os cristãos assírios se instalaram na Antiga Judiaria (que manteve o nome), os arménios criaram um bairro ao redor da Igreja de São Tiago (parte do qual ainda hoje existe no Bairro Arménio). Já os gregos ortodoxos, depois de a maioria das suas igrejas ter sido confiscada pelos rivais latinos, mudaram-se para o lado oposto à Cidadela. Como resultado, desenvolveram-se bairros que eram autênticos enclaves linguísticos.



Ricardo Coração de Leão e Saladino (retratado como um demónio), Saltério de Luttrell, fol.82, Inglaterra, c.1325-1335, British Library, Londres


     Saladino, sultão da Síria e do Egipto, tomou Jerusalém em 1187. Para os cristãos, esta derrota significou o fim do primeiro Reino Latino de Jerusalém. A Europa lançou a Terceira Cruzada, retomando a cidade de Acre em 1191. No entanto, os cristãos não conseguiram reaver Jerusalém. Saladino e Ricardo I de Inglaterra chegaram a acordo sobre Jerusalém no Tratado de Ramallah, em 1192, segundo o qual a cidade permaneceria em mãos muçulmanas, mas admitindo as peregrinações cristãs. O Tratado reduziu o Reino Latino a uma estreita faixa costeira compreendida entre Tiro e Jafa, sendo a capital estabelecida em Acre — S. João de Acre. 



O Cerco, fol.204, Histoire d’Outremer, por Guilherme de Tiro, Norte de França, 1232-1261, Manuscrito da British Library: Yates Thompson 12


Em 1229 os cristãos conseguiram reaver Jerusalém, por meio de um tratado com o sultão aiúbida Al-Kamil, mas voltaram a perdê-la em 1244. Ao longo do século XIII os mamelucos conquistaram os territórios do reino, até à queda de Acre, em 1291, pondo fim ao Reino Latino de Jerusalém. A partir de então, o título de rei de Jerusalém, apesar de sucessivamente reivindicado por diversos monarcas europeus, foi apenas nominal.

     Versos de Vasco Graça Moura sobre Acre:

13 de Setembro. Variações.
em s. joão de acre
no calor das três da tarde
no passeio entre o cais
e os muros dos cruzados
uma mulher sorria
brincando com a filha
brincava alegremente:
podia ser judia
ou palestiniana
ou cristã ou arménia
ou bósnia ou angolana
foi em s. joão de acre
não há uma semana
Vasco Graça Moura (poema inédito)



Os otomanos sitiam os mamelucos em Damasco, "Selīm-nāma," MS H. 1597-8, fol. 235r, c. 1521-24, Museu do Palácio Topkapi, Istambul


    Em 1516, os turcos otomanos derrotaram o exército mameluco em Alepo, na Síria. Em 1517, o sultão Selim I entrou em Jerusalém, dando início a 400 anos de domínio otomano na Palestina.



Este artigo é da inteira autoria de:
Sónia Craveiro



Muito obrigada J



Nota: segundo o Alcorão, os textos islâmicos mais importantes são os hadiths, conjunto de tradições relativas ao profeta Maomé, que transmitem os seus ditos, os seus feitos, ou mesmo a sua atitude silenciosa sobre os assuntos mais diversos.

Fontes:
LAPIERRE, Dominique, COLINS, Larry, Oh Jerusalém, Bertand Editora
SCHAMA, Simon, A História dos Judeus – 1000 AC – 1492 DC, Círculo de Leitores
WILLIAMS, John Alden, ISLAMISMO, Editorial Verbo
INGEBORG RENNERT CENTER FOR JERUSALEM STUDIES - Bar-Ilan University   Ramat-Gan, Israel -