sexta-feira, 24 de março de 2017

Cartas de Lisboa | Lições sobre Angariação de Fundos




Vayakhel - Pekudei



A nossa Parashá começa com Moisés a instruir o Povo Judeu sobre os materiais necessários para a construção do Mishkan, o Tabernáculo. No entanto, antes de Moisés começar a listar os itens necessários e ele mais uma vez fala ao Povo Judeu sobre a importância do Shabat. Por que é que a Torá menciona novamente o Shabat, no que parece estar completamente fora do contexto?



O Rabino Isaque Caro, que serviu como Rosh Yeshiva, diretor da Academia de Torah em Lisboa no final do Séc. XV dá-nos a sua perspectiva sobre esta questão. A sua explicação, também serve como uma visão geral sobre doações e angariação de fundos para algo sagrado e especial.



Escreve o Rabino Caro, "Sempre que uma doação é feita, há sempre a necessidade de um prefácio, para mencionar o que é verdadeiramente e em última análise mais importante para nós. A nossa verdadeira fonte de apoio não são as nossas posses, mas sim Avodat Hashem, o nosso relacionamento com D-us ".


 Para uma pessoa abdicar de algo que é seu, parte das suas posses e pertences, é necessário uma razão para tal. Que maior lembrete existe sobre valores e prioridades do que o Shabat? O Shabat é uma vez por semana, um lembrete constante para permitir reconhecer e reorientar as nossas prioridades.

O Shabat inevitavelmente faz-nos perceber que o sucesso e conquistas dos seis dias úteis são as nossas únicas ferramentas e meios de nos ajudar a alcançar os nossos objectivos, mas não são o objectivo em si. Com esta introdução, pedir que as pessoas tenham "coração generoso" para contribuir da sua riqueza material para a construção do Mishkan, torna-se natural e instintivo.



Pintura de Elena Kotliarker


É por isso que o Shabat é mais uma vez mencionado. O Shabat não é apenas o nosso dia de descanso, mas também o dia que nos ajuda a equilibrar a nossa ambição e o nosso comportamento.

Shabat Shalom!
Cortesia do Rabino
 Eli Rosenfeld
chabadportugal.com

sexta-feira, 17 de março de 2017

Cartas de Lisboa | O Descanso de Shabat



Ki-Tisa

Na Parashá desta semana encontramos um versículo que nos lembra a observância do Shabat, o nosso dia de descanso. "Fala aos filhos de Israel e diz: 'Guardai os meus Sábados! Porque é um sinal entre Mim e vós. "(Shemot 31:12)
Muitos dos comentaristas perguntam-se se este verso é mesmo necessário, já que a Mitsvá do Shabat já foi discutida extensivamente anteriormente. Porquê uma nova menção deste dia especial?
 Dom Abarbanel no seu comentário à Parashá oferece uma análise profunda do que representa o Shabat e por que é tão importante mencioná-lo mais uma vez.

O contexto geral desta menção do Shabat na nossa Parashá, vem a seguir ao mandamento de construir o Mishcan, o Tabernáculo. Visto a esta luz, a necessidade de reiterar o mandamento do Shabat torna-se clara. É este projeto que prepara o caminho para o que viria a ser o Beit Hamikdash, o Santo Templo, o nosso mais sagrado espaço físico.

Enquanto Shabat nos lembra dos seis dias da criação, o seu método de observância é através do repouso, não através da acção. É essa tensão, diz Dom Abarbanel que o versículo vem esclarecer.

Geralmente, diz Dom Abarbanel, a conclusão de todas as ideias é através de sua atualização, quando uma ideia ou conceito se torna tangível e real. A acção sempre parece ser mais eficaz do que a falta dela. Poder-se-ia pensar, portanto, que a observância do Shabat, que é meramente descanso (ausência e contenção), talvez seja menos uma expressão activa do nosso relacionamento com D-us, do que construir a localização mais sagrada da Terra.




É por isso, diz Dom Abarbanel, que a Torá nos lembra que a nossa confiança em D-us, é expressa por vezes através da criatividade e da acção, e outras vezes fazendo o contrário, não agindo.


 Isto é o que a menção do Shabat na nossa Parsha nos ensina, que D-us quer que a nossa fé e confiança Nele sejam exibidas mesmo em comportamentos que possam parecer contra-intuitivos. Isso lembra-nos que a nossa relação e 

fé em D-us engloba todos os aspectos da nossa existência. Tanto em tempos de expansão e criatividade como em momentos de introspecção e contenção.


Shabat Shalom!
Cortesia do Rabino
Eli Rosenfeld
chabadportugal.com




1ª Pintura é de Boris Dubrov

Restantes pinturas são de Alex Levin

quarta-feira, 15 de março de 2017

Raizes na Pedra




Também na pedra, o homem 
deixa raízes.



Placa de mármore, encontrada em 2011, numa Vila Romana, perto de
 S. Bartolomeu de Messines.



Dessas raízes levanta-se a árvore que de folha em folha conta a sua vida, o seu tempo, a sua história. Olhando-a a nós próprios nos vemos, num passado que faz o nosso presente e traça o nosso futuro.

A data provável da mesma é de 390,final do séc. IV e nela se destaca o nome de Yehiel, nome que aparece frequentemente referenciado nos livros hebraicos.
De acordo com os peritos podemos ainda ler "O Judeu é abençoado por D.S"

A questão que se levanta é de saber qual a relação da pessoa a quem este nome pertencia com a Vila Romana. Proprietário? Escravo?

Podemos então dizer que nos fins do séc. IV foi dada sepultura a um Judeu no espaço futuramente português.

Esta placa de dois metros de largura parece ser uma laje de sepultura e foi encontrada por uma equipa de arqueólogos alemães dirigida por Friederich Schiller, numa camada de entulho e de pedras.

Quando terão chegado? O momento da sua vinda tem sido incansavelmente estudado.
Com os Fenícios? No tempo da destruição do 1º Templo com Nabucodonosor? Depois da vitória do General Tito? Quando o Imperador Adriano arrasa Jerusalém? Como teriam vindo? Atravessando o Mediterrâneo? Por caminhos terrestres?


Uma outra lápide de mármore foi encontrada no cemitério paleo-cristão de Mértola e guardada no Museu desta cidade.


O epitáfio escrito em latim e está incompleto. Algumas indicações nos dá… “Despediu-se da vida em paz" e a data da sua morte: no quarto dia das Nonas de Outubro de 520. Ou seja no dia 4 de Outubro de 482. A acompanhar as palavras e a data um menorah, símbolo do Judaísmo.




Encontra-os D. Afonso Henriques, em Santarém, quando conquista a cidade. Dedicavam-se maioritariamente a actividades artesanais, comerciais e intelectuais.

O seu grão-rabino, Yahia ben Yahia, foi escolhido pelo nosso primeiro rei como homem da sua confiança com funções comparáveis às de ministro de Finanças.

No que diz respeito à Sinagoga terá sido uma das mais antigas no que hoje é território português, dado que aparece já referida em 1095, no Foral que D. Afonso VI de Leão outorga a esta cidade. Dela conhecemos apenas a sua localização junto à extremidade oriental de S. João de Alpram.



O mesmo não acontece relativamente às fundações das Sinagogas da Judiaria Velha no tempo de D. Dinis e da Sinagoga de Monchique, no Porto, no tempo de D. Fernando.



Lápide em pedra de calcário da Sinagoga Grande de Lisboa, mandada construir por Judá, filho de Guedelha, no tempo de D. Dinis, primeira década do sec. XIV.




Foi encontrada após o terramoto de 1755, em Lisboa e encontra-se hoje na Sinagoga-Museu Luso-Hebraico de Abraão Zacuto, em Tomar.

De acordo com a tradução do texto:


"Esta é a porta do Senhor pela qual os justos entrarão. Entrai pelas suas portas com graças e em seus átrios com louvor. Vós que ides no caminho do Senhor acorrei à casa de culto. Três vezes por dia vinde a suas portas em acção de graças. E tomai nas vossas mãos cítaras e cantai um cântico de graças. Edifício formoso e belo construiu Guedaliah que tem o seu assento nas Assembleias do Justos e da Congregação. Ao nome do Senhor levantou esta obra magnífica. E acabou a obra do nosso D.S no primeiro dia do nosso famoso Atanim no ano de cinco mil e sessenta e sete do nosso cômputo."

Inscrição hebraica que pertenceu à Sinagoga de Monchique no Porto, erguida no tempo de D. Fernando, sob a orientação do Rabi-mor, D. Judá Aben Menir.




Lápide da Sinagoga de Monchique, no Porto.



Nela consta o nome do arquitecto que a desenhou e construiu: José ben Arieh. Guardada, hoje, no interior do Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa.

Diz o texto hebraico nas oito linhas traduzidas para português:

1 - “Quem disser “como não foi resguardado o edifício nomeado por meio dum muro”, 2 - acaso não saberá que eu tenho um familiar que conhece altas personagens, 3 - que me guarda? Acaso não dirá: “Ágil e ardoroso, eu sou um muro”? 4 - O mais nobre dos judeus, o mais forte dos exércitos, ei-lo firme na coluna dos príncipes! 5 - Bom protector do seu povo, serve a Deus com a sua integridade; construiu uma casa ao Seu Nome, de pedras aparelhadas. 6 - Segundo depois do rei, à cabeça é contado em grandeza e na presença dos reis tem assento. 7 - É ele o rabino Dom Judá ben Maneyir, luz de Judá, e a ele pertence a beleza da autoridade. 8 - Por ordem do rabino, que viva, Dom José ben Arieh, intendente, encarregado da obra).




Lápide hebraica guardada no Espaço " Arte e Memória" de Gouveia..



O processo da Inquisição de Lisboa relativo a João Lopes, mercador, Cristão-Novo de Gouveia, indica-nos que os Judeus se tinham localizado, em redor da Igreja de S. Pedro, habitando aquele uma casa defronte do Templo. Constava que ele era Rabi dos Cristãos-Novos e a sua casa Sinagoga. O denunciante Aires Pinto, Cristão-Velho, acrescentava que na casa de João Lopes existia uma inscrição que parecia ser em hebraico:


"A glória desta última casa será maior do que a primeira, diz o Senhor dos Exércitos. Concluída a casa da nossa santificação e da nossa glória, no ano de 5257. E os resgatados do Senhor voltarão e virão para Sião em alegria."


Este trabalho foi realizado na integra pela minha querida amiga,

Dora Caeiro


Muito obrigada J


sexta-feira, 3 de março de 2017

Cartas de Lisboa | O que na verdade possuímos




Teruma




A Parashá desta semana abre com as instruções de D-us a Moisés a respeito da Mitsvá de construir o Mishcan. O Mishcan, ou Tabernáculo, era a estrutura temporária que serviu como precursor do Templo em Jerusalém.





Antes de receber a lista detalhada de todos os pormenores que seriam úteis na construção do Mishkan, há uma instrução geral. "Fala aos filhos de Israel, e faz com que eles tomem para Mim uma oferta, de cada pessoa cujo coração o inspira à generosidade" (Shemot 25: 2)

O Rabino Avraham Saba questiona a escolha de palavras da Torá.

Por que é que a Torá usa a palavra "tomar" quando as pessoas estão de facto a ser convidadas a "dar"?

A resposta, diz o Rabino Saba, é uma lição geral para nós sobre Torá e Tzedaká, a perspectiva Judaica sobre filantropia.




A primeira coisa a reconhecer, é que o que temos e o que temos acumulado, vem de (e, portanto, pertence a) D-us.

Como escreve o Rei Davi em Tehilim: "A terra e tudo quanto nela existe é do Senhor" (Tehilim 24:1)

Devemos reconhecer, diz o Rabino Saba, que somos meramente guardiões dos nossos recursos. Estamos encarregados do seu uso para garantir que qualquer pessoa em necessidade é ajudada. Devemos reconhecer que o que cada um de nós possui é verdadeiramente devido às bênçãos recebidas de D-us.

É por isso que, diz o Rabino Saba, neste caso o versículo usa a palavra "tomar" e não "dar". Tudo neste mundo que nós acumulamos não é verdadeiramente para nós mesmos ou mesmo o nosso. Apenas tem a aparência de o ser.

A única coisa que podemos tomar, e verdadeiramente possuir para a eternidade, é o que damos. Ao dedicar algo a um propósito que nos transcende ou uma boa acção ou Mitsvá, esses sim são actos de aquisição. Esses actos de bondade, de Tzedaká e Torá tornam-se uma parte de nós para sempre.



O que damos é o que realmente possuímos.



Shabat Shalom!

Cortesia do Rabino 


Eli Rosenfeld
chabadportugal.com


"Velas de Shabat"




Shabat Shalom!



Pintura de Boris Shapiro Velas de Shabat