As Judiarias de
Lisboa
Vista do Rossio,
antes do Terramoto de 1755 e do hospital de Todos-os-Santos,
em dia de mercado. Desenho à pena, aguarelado a
nanquim. Ass. Zuzarte,1787. Na margem inferior as armas do Santo Ofício de
Lisboa. Fotografia, Estúdio Horácio Novais - CML (1982), Exposição Lisboa e o Marquês de
Pombal, Museu da Cidade. Amadora: Heska Portuguesa
A Lisboa medieval possuiu pelo menos 4 judiarias, que ao
longo dos séculos conviveram quase lado a lado, independentemente da sua
cronologia histórica, do século XIII ao século XV
A Igreja da
Madalena - Fundada no século XII por ordem do rei D. Afonso Henriques,
junto à muralha moura. Em 1363 sofre um incêndio, tendo o rei D. Fernando I
mandado reconstruí-la. Em 1600, novo percalço, um ciclone e no ano de 1755 é
destruída pelo terramoto.
O portal desta igreja em estilo manuelino, pensa-se que
tenha vindo da igreja da Conceição dos Freires, também destruída pelo
terramoto, (antigo local da grande sinagoga). As suas fundações como edifício
provêm segundo alguns estudiosos das ruínas de um templo romano, dedicado à
deusa Cibele. Foram encontrados perto deste local quatro lápides romanas e não
muito longe, vestígios sepulcrais do final do império, (século IV-V).
A grande sinagoga de Lisboa foi construída entre os anos de
1306 e 1307, mandou-a edificar D. Judah, filho de D. Guedelha, rabi-mor do rei
D. Dinis. Esta sinagoga maior, teria como espaço quatro corpos de colunas, dois
deles junto às paredes, e os restantes a separar a nave central das duas
laterais, isto segundo o testamento de Ester, viúva de Nacim Faim.
Placa da sinagoga grande de
Lisboa, actualmente no Museu Abraham Zacuto em Tomar.
Fotografia de Rafael
Baptista
Os relatos históricos apontam para um edifício sumptuoso
para a época, teria talvez semelhanças com a sinagoga de Santa Maria la Blanca
de Toledo, (Espanha). Um médico alemão de nome Jerónimo Muenzer, que visitou
Lisboa em 1494, refere-se ao seu interior como decorado com extrema beleza, com
uma nítida influência islâmica na sua arquitectura. Possuía um enorme púlpito
para os sermões, e tinha pelo menos dez enormes candelabros com 50 a 60
lâmpadas cada um, para além de muitos outros de menores dimensões. O edifício foi a partir de 1496 purificado e transformado
em templo católico, dedicado à senhora da Conceição, (dos freires) que aí se
situaria até 1755, ano da sua destruição.
Segundo Samuel Schwarz e Augusto Vieira da Silva, esta
sinagoga estaria situada na antiga rua da Princesa, (actual rua dos Fanqueiros)
e na esquina com a rua dos Mercadores, localizada a meia distância entre as
actuais ruas de S.Nicolau e da Conceição.
Mapa da esquerda, segundo Eng. Vieira
da Silva e da direita, segundo João Nunes Tinoco. (clique nas imagens para
melhor visualização e consulte as legendas abaixo)
Com D. Pedro I, que cumprindo directivas do Concílio de
Latrão, passou a obrigar os judeus a viverem encerrados em judiarias, separados
dos cristãos. Por seu turno, D. João I decreta que um sinal distintivo de cor
vermelha, (estrela de seis pontas) e de tamanho de um selo régio, seja posto
nas vestes dos judeus, sob pena de prisão, açoites e perda de roupa.
No século XV, os cristãos chegam a pedir às cortes a
transferência das judiarias para uma zona que é hoje os Restauradores e a
Avenida da Liberdade.
Litografia a cores - Restauradores no início da Avenida da
Liberdade em Lisboa
de Frederico Ressano Garcia
(1874-1909)
No século XV acontecem dois assaltos às judiarias de
Lisboa. Surgem crónicas desses acontecimentos trágicos:
1449 - Um grupo de jovens cristãos
terão ofendido alguns judeus junto à Ribeira, feita a respectiva queixa, os
culpados foram açoitados publicamente, o que enfureceu a turba cristã, clamando
imediata vingança. A judiaria grande foi assaltada, morreram vários judeus,
tendo as suas casas sido vandalizadas e saqueadas. D. Afonso V que estava em
Évora, veio de imediato para Lisboa para pôr termo ao ataque.
1482 - Novo assalto sem grandes perdas de vidas e bens,
exceptuando a destruição da biblioteca de Isaac Abravanel.
Não muito tempo depois, entre 1505 e 1507, há peste em
Lisboa.
Ilustração da Peste na
Bíblia de Togemburgo
No dia 19 de Abril de 1506, e segundo um relato anónimo de
um alemão que estaria dentro da igreja de S. Domingos: "...Haveria uma
cruz com um espelho no meio, então, surge a imagem de Maria a chorar ajoelhada
em frente a Jesus, e por cima da cruz, surgiram luzes pequenas e uma
grande..." Damião de Góis fala-nos de um possível reflexo de uma vela.
Ibn Verga refere o questionar por parte de um cristão-novo,
sobre o porquê:"... Que o dito céu não realizava o milagre da água, mais
do que o fogo ?..." aludindo há rigorosa seca que então se vivia. O cristão-novo é de imediato arrastado e morto. As horas seguintes são uma autêntica orgia de terror e
morte.
O magistrado acompanhado por alguns homens armados foge da
populaça. Enquanto isso, frades dominicanos gritavam bem alto: "...Que
quem matar a descendência de Israel, tem garantia de 100 dias de absolvição no
mundo que há-de vir.."
Surgem então as fogueiras na
Praça de S. Domingos, Rossio,
e Terreiro do Paço.
1ºdia - Matança de todos os cristãos-novos que viam nas
ruas. 2ºdia - Pilhagem e retirada das pessoas que se tinham
refugiado em suas casas. Um dos alvos foi D. João Rodrigues Mascarenhas,
escudeiro do rei, e detentor de muitos direitos de alfândega nos principais
portos do reino. Pensa-se que foram assassinados entre 2000 a 4000
cristãos-novos.
Cemitério Judaico
O cemitério estaria situado fora da zona habitável, e numa
localização que se procurava evitar a ocorrência de prolongados cortejos
fúnebres através do bairro cristão. Sabe-se que os judeus da localidade de
Sacavém e do Tojal vinham enterrar os seus entes queridos a Lisboa.
Também Almada dependia desta cidade para o enterramento dos
seus mortos.
O cemitério ficaria na área onde actualmente está situado o
Elevador de Santa Justa.
Hospital de Todos
os Santos
Para as obras deste hospital, reverteram as lápides que se
encontravam no cemitério judaico, localizado numa zona mais afastada do centro,
mais concretamente em Santa Justa, e cujo terreno foi doado ao concelho de
Lisboa, no ano de 1497, a fim de ser utilizado como pasto para o gado.
Os bens das sinagogas e das judiarias após o decreto de
expulsão, foram utilizados para sustentar as obras deste enorme hospital.
Tinha 3 pisos, o inferior para doentes mentais e os
expostos, (crianças abandonadas). O piso térreo para alojamento do pessoal e o
superior para as enfermarias.
Foi construído entre 1492 e 1504.
Rossio e Hospital Real de
Todos-os-Santos
Painel de azulejos de oficina de
Lisboa, da 1ª metade do século XVIII ,
existente no Museu da Cidade, Lisboa.
O Palácio dos
Estaus
Foi mandado construir pelo
regente D. Pedro em 1449. A partir de 1544, o rei D. João III manda ali colocar
o Tribunal da Inquisição.
Hoje é o Teatro D. Maria II.
Maquete do que seria este
palácio durante a idade média.
Museu da Cidade.
Igreja e Convento
de S. Domingos
Foi erigida em 1241, sofreu danos enormes em 1755, e em
Agosto de 1959, um violento incêndio destruiu por completo a decoração interior
da igreja. Está sobretudo ligado ao massacre de cristãos-novos em
1506.
Neste local, no ano de 1497, centenas de milhares de judeus
que aguardavam o embarque para outras paragens, devido ao decreto, foram
forçados a converterem-se ao catolicismo, muitos deles arrastados pelos cabelos
e barbas até à pia baptismal. Também no seu interior foram realizados processos de autos
de fé.
Convento de S.
Domingos e Hospital de Todos-os-Santos
em 3D
- Museu da Cidade de Lisboa.
Os sambenitos ou o tabardo penitencial eram expostos no
interior da igreja, revelando assim as suas origens familiares e o respectivo
acto de acusação.
Condenados com os
Sambenitos.
A Judiaria Nova ou Pequena começou a ser construída talvez
em época anterior ao rei D. Dinis, na zona da sapataria ou Teracenas, em pleno
local de construção naval.
Quando os judeus tiveram de abandonar o "Bairro da
Pedreira", foram-se estabelecer em 1317 nas proximidades da actual rua de
S. Julião.
Rua de S. Julião
Tanto a judiaria grande como a pequena estavam amuralhadas
desde o reinado de D. Fernando. Destruídas em grande parte pelo exército de
Henrique de Castela em 1373, tendo depois D. Fernando cercado com muralhas toda
aquela área.
A extinção da judiaria nova, veio contribuir para a
reestruturação do sector mais ocidental da Ribeira. Com efeito, as Teracenas
velhas e suas respectivas torres foram sacrificadas para a construção do novo
Paço da Ribeira, que até ao terramoto de 1755, foi a mais importante residência
real. As casas anteriormente habitadas por judeus, foram derrubadas para
permitir a construção da nova "Casa da Moeda".
Por determinação régia de 1500, todos os cristãos-novos de
Tomar, Torres Novas, Santarém, Óbidos, Setúbal, Alcácer do Sal e região do
Ribatejo, foram obrigados a dar contribuição monetária para a construção do
novo cais de Lisboa.
Judiaria de Alfama
ou Judiaria da Torre de S. Pedro
Chafariz da Rua da
Judiaria, Alfama, Lisboa.
Existiu ainda uma sinagoga que foi construída entre 1373 e
1374, como consta de uma sentença de D. Fernando. Os judeus por a terem edificado
sem consentimento régio foram condenados ao pagamento de 50 libras de ouro, com
proibição de exercer culto dentro da mesma. Esta judiaria foi fundada após a trágica investida das
hostes castelhanas aos bairros judeus, em 1373. Alfama escapou à destruição de 1755.
Antiga Judiaria de
Alfama.
O engenheiro António Vieira da Silva descobriu um documento
na Torre do Tombo, onde identificou a dita sinagoga no largo de S. Rafael,
(Beco das Barrelas) nº 8, onde destacava: "...Quatro casas
sobradadas".
O Dr. Chaim Weizman, o primeiro presidente do estado de
Israel esteve aqui em 1940. Aguarela de Roque Gameiro
No lugar da "Pedreira", onde actualmente se situa
o Largo do Carmo e suas imediações, existiu uma outra judiaria. Foi extinta em
1317, quando o rei D. Dinis doou essas casas ao almirante genovês Pessanha.
Este almirante foi contratado pelo rei para organizar a marinha portuguesa,
recebendo mais tarde os regadios de Frielas, Unhos e Sacavém.
Largo do Carmo
Fogueiras no
Terreiro do Paço. Ilustração do séc. XVII.
(Em primeiro plano
o Paço Real).
Em 1511, o rei D. Manuel transferiu a sua residência do
Castelo de S. Jorge para este lugar, junto ao rio Tejo. Este palácio bem como a
sua biblioteca com 70 mil volumes foram completamente destruídos em 1755. Teve
sinagoga, construída em 1260, a mais antiga que se tenha conhecimento na cidade
de Lisboa.
A 20 de Setembro de 1540, foi realizado o primeiro auto de
fé (por execução na fogueira), no Terreiro do Paço. Também nesse ano é dado início à censura e chegam os
primeiros jesuítas a Portugal.
Fontes:
A primeira fotografia, legendada como sendo o Rossio, está trocada, representa o Terreiro do Paço. Muito boa informação e mapa das judiarias elucidativo. Ana V.
ResponderEliminarBom dia Ana V., estava trocada sim. Já alterei.
ResponderEliminarMuito obrigada :)