BELMONTE
Vila portuguesa localizada junto
da Serra da Estrela, região da Beira,
com cerca de 3.100 habitantes.
Belmonte destaca-se pela sua excepcional posição
estratégica, não só pela sua altitude, mas também como ponto de convergência de
importantes vias antigas e outros elementos (riqueza mineral, recursos
hídricos,…) que contribuíram para que, desde tempos imemoriais, populações se
tenham estabelecido nesta vila.
Por todo o município registam-se vestígios pré e
proto-históricos, romanos e medievais, que provam a preferência das comunidades
primitivas em se estabelecerem neste espaço. Os Judeus também não devem ter
ficado indiferentes a estas condições, pelo que a sua presença em Belmonte deve
recuar bastante no tempo.
Apesar dos escassos conhecimentos acerca da primitiva
presença judaica em Belmonte, o contributo desta comunidade para a história da
Vila é indiscutível, pela sua presença ainda na actualidade e pelos vestígios
deixados pelas comunidades anteriores.
Devido à escassez de referências documentais e de
vestígios, não se conhece a data exacta do estabelecimento dos Judeus em
Belmonte, no entanto, os mesmos, são citados no foral outorgado por D. Sancho I
em 1199, o que poderá ser já um sinal da sua presença. É de referir que a
passagem onde se menciona a palavra “Judeus” repete-se noutros forais
atribuídos na época, em vários locais da Beira Baixa, adaptados do foral de
Ávila; “ testemunhamos e para sempre confirmamos que todo o que penhorar
mercadores ou viajantes cristãos, judeus ou mouros, a não ser que seja fiador
ou devedor, todo o que isto fizer, pague ao Bispo 60 soldos e dará em dobro o
gado que tomar ao seu dono”. Não se sabe se este trecho comprova a existência,
já no final do século XII, de Judeus em Belmonte, no entanto, por essa altura,
sabe-se da existência de populações judaicas na Covilhã, Guarda, Gouveia,
Trancoso e outras terras da Beira. Por isso, é provável que Belmonte tivesse já
a sua comunidade de Judeus.
Após a concessão do foral e o reconhecimento da entrega do
senhorio da Vila ao Bispado de Coimbra, fomentou-se o crescimento do primitivo
núcleo urbano de Belmonte, procedendo-se também à construção do castelo. A
Vila, aproveitando a disposição topográfica do espaço, expande-se para poente,
em torno da actual Rua Direita, e para nascente, em torno da Igreja de S. Tiago
e de Sta. Maria (hoje desaparecida).
Castelo de Belmonte
Em 1910, aquando da demolição da Igreja de S. Francisco
(antiga Igreja do Espírito Santo e Misericórdia), no actual Largo António José
de Almeida, Francisco Tavares Proença Júnior identificou uma lápide com
caracteres hebraicos inscritos, com a seguinte legenda;
“E Adonai está no seu templo sagrado,
emudece perante Ele toda a sua terra”
(Livro de Hababuc, 2.20), que possivelmente pertenceria à
torça da porta principal da primitiva sinagoga e cuja datação remonta a 1297.
O facto de haver já uma sinagoga nessa altura, reflecte a
permanência em Belmonte de uma comunidade judaica numerosa, bem estabelecida e
organizada.
Portanto é ponto assente que não teriam sido os Judeus
expulsos de Espanha em 1492 que fundaram a comunidade judaica de Belmonte,
embora, pela proximidade da fronteira, a tivessem reforçado.
Relativamente à localização da judiaria, apesar de não
haver certezas, devido à escassez de fontes histórico-arqueológicas, é a
toponímia, com nomes como Rua da Judiaria, Bairro de Marrocos, que auxilia na
sua localização espacial. A Judiaria de Belmonte poderia situar-se em torno das
atuais Rua Direita (antiga Rua Direita de Marrocos) e Rua da Fonte da Rosa
(antes Rua da Judiaria e Rua de Marrocos), no interior do espaço urbano
amuralhado.
Local onde estaria situada a primeira
sinagoga, em 1297
A área compreendida por entre estas ruas e pela Rua da Sé
(que dá acesso hoje à Igreja Matriz) é identificada como a zona Medieval da
vila. A norte da Rua Direita existe uma antiga praça que mantém basicamente a
estrutura que de velho tinha, com casinhas feitas em granito e cruciformes nas
ombreiras. A comunicação entre estas artérias principais faz-se ainda por
pequenas vielas e guetos onde teriam vivido outrora Judeus, mouros e
homiziados.
Casa na Judiaria de Belmonte.
Foto: UM JEITO MANSO
A localização da possível sinagoga é ainda desconhecida,
pois a referida situar-se-ia demasiado longe da primitiva judiaria, e num local
que somente foi ocupado a partir do séc. XV. Com o Édito de Expulsão de 1496 a
Sinagoga de Belmonte foi transformada em templo religioso (na Igreja do
Espírito Santo, culto bastante frequente na época). Alguns elementos
arquitectónicos manuelinos provenientes da Igreja, como uma pia baptismal,
reforçam a ideia da transformação da sinagoga em templo religioso por essa
altura.
A sinagoga era o centro da comunidade judaica, funcionando
como templo, tribunal e escola. Os açougues, fornos, lagares, entre outros
equipamentos, eram também indispensáveis numa judiaria. Quanto ao cemitério,
desconhece-se a sua localização, mas seria, com certeza, fora do limite
amuralhado.
É nos séculos XIV e XV, devido ao crescimento económico,
demográfico e urbano, que Belmonte começa a ampliar o seu espaço urbano para
poente, estruturando-se em torno do Largo Afonso Costa, Praça da República, Rua
1º de Maio, Rua do Inverno, Rua Nossa Senhora de Esperança, Rua Pedro Álvares
Cabral, e Largo António José de Almeida, local conhecido como Devesa, onde se
realizariam as feiras e mercados.
De facto, o espaço situado entre o Largo Afonso Costa e o
Largo António José de Almeida era um espaço de grande atividade comercial e
artesanal, a que os Judeus não teriam sido alheios, estabelecendo aqui um
segundo núcleo habitacional. Além disso, a comunidade local de Belmonte, por
esta altura, deve ter sido engrossada por Judeus vindos de Espanha, após o
Édito de Expulsão espanhol de 1492. Nesta altura, teria mais lógica, a fundação
de uma sinagoga no Largo António José de Almeida, pois estava mais perto dum
novo centro de presença judaica.
No entanto, estes locais nom estariam totalmente
demarcados, havendo seguramente uma espécie de coabitação dos habitantes de
Belmonte. Apesar de poder haver arruamentos estabelecidos e pré-definidos, os
Judeus poderiam, provavelmente, fixar-se de forma espontânea e livre entre a população
cristã.
Em dezembro de 1496 é assinado o decreto de expulsão dos
Judeus em Portugal por D. Manuel que irá mudar radicalmente a situação da
comunidade judaica. Assim, todos os Judeus são obrigados a abandonar Portugal
num prazo de 10 meses, no entanto, D. Manuel não estava interessado na partida
dos Judeus, por isso, o prazo alargado da expulsão e as conversões à força. Os
Judeus exerciam bastante influência em diversos campos: económico, político,
social e cultural, destacando-se pelas atividades mercantis, artesanais,
usurárias e, por isso, a inconveniência na sua partida.
Em Belmonte, o pagamento da judenga, em 1496, confirma que
os Judeus continuavam a viver na localidade, mas com o decreto de expulsão de
D. Manuel e o estabelecimento da Inquisição em 1536 muitos Judeus devem ter fugido.
Os que ficaram praticavam a sua religião em segredo. Assim, Belmonte nunca terá
sofrido um abandono total dos Judeus.
Na década de 1920 Samuel Schwarz, um engenheiro de origem
judaico-polaca que realizava trabalhos na zona, detectou a existência de judeus
em Belmonte; “uma comunidade bastante demarcada da comunidade católica,
conservando práticas, usos e costumes muito característicos que teimam em manter-se”.
Depois de séculos de resistência e de organização judaica
em segredo, findas as perseguições da época da inquisição e terminados os
processos de integração católica que diluíram a totalidade das muitas
comunidades existentes na sociedade católica portuguesa, veio a descobrir-se
que em Belmonte estavam vivas as tradições, a organização e a estrutura
religiosa dos últimos Judeus secretos de Portugal, que continuaram a casar-se
apenas entre si durante séculos e expulsando da comunidade quem quebrasse esta
norma.
Logo depois da "descoberta", para dar conta do
seu encontro com os cripto judeus de Belmonte Schwarz escreveu em 1925
"Cristãos-Novos em Portugal no século XX", publicada como separata da
revista "Arqueologia e História" da Associação de Arqueólogos
Portugueses. Ele fez esforços para que os cripto judeus de Belmonte
regressassem oficialmente ao Judaísmo.
Algumas organizações judaicas, entre as
quais a Alliance Israélite Universelle e pessoas individuais como Cecil Roth e
Lucien Wolf uniram-se a esses esforços com entusiasmo.
Símbolo da Alliance Israélite
Universelle
Cecil Roth e Lucien Wolf
Os Judeus de Belmonte constituem a última comunidade
peninsular de origem cripto judaica a sobreviver enquanto tal e subsistir ainda
hoje com unidade, possuindo sinagoga, rabino e cemitério próprio. Tem
igualmente uma direcção comunitária.
Depois de tempos de ocultação religiosa, a actual
comunidade judaica de Belmonte une esforços no seu resgate, na sua reconversão
de cristãos-novos ou marranos ao judaísmo puro, visto que anos de convívio com
os cristãos corromperam algumas das suas práticas judaicas. Este regresso
apenas teve lugar na década de 1970, depois da comunidade estabelecer contacto
com os Judeus de Israel.
A comunidade de Belmonte cumpre hoje os principais ritos
religiosos, alguns dos quais desapareceram da memória colectiva belmontense.
Outros foram secularmente cumpridos, embora por vezes fortemente deturpados. É
necessário entender que esta comunidade se tornou secreta durante séculos sem
qualquer tipo de contacto com o judaísmo exterior.
Assim, actualmente o ciclo litúrgico anual dos Judeus de
Belmonte compreende o Dia do Perdão (Yom Kippur), a Festa dos Tabernáculos
(Sukot), a Alegria da Lei (Simchat Torah), a celebração da Rainha Ester
(Purim), a Santa Festa (Pessach) e a Festa das Colheitas (Shavuot). Para
compreender as transfigurações tornadas evidentes polo isolamento secular está
o caso da Hanukah. Esquecida há séculos, foi substituída pela cerimónia do
Natalinho. Interrogados sobre o seu significado, os Judeus belmontenses diziam
que se celebrava o nascimento do Santo Moisés. Nas últimas décadas a festa
acabava por coincidir com o Natal dos cristãos. Curiosos relatos como este
podem ser analisados no livro de Maria Antonieta Garcia intitulado "Os
Judeus de Belmonte - Os Caminhos da Memória".
Já que as fontes documentais e os vestígios são escassos, sobram
os motivos cruciformes ainda visíveis, que podem fornecer algumas informações
acerca da ocupação espacial judaica em Belmonte. No decurso do levantamento dos
elementos patrimoniais efectuado pelo Gabinete Técnico Local (GTL), que
elaborou o Plano de Salvaguarda da Vila, foi dada especial atenção às cruzes
presentes nalgumas ombreiras de casas, pelo que foi feito o seu inventário,
assim como o seu decalque e registo fotográfico.
Cruciforme de Belmonte. Foto:
Rafael Baptista
Numa primeira análise os motivos cruciformes identificados
não são muito abundantes, porque alguns foram destruídos e outros poderão estar
encobertos pelos revestimentos modernos das casas. Além dos motivos
cruciformes, registam-se ainda algumas datas e observa-se também a presença de
casas com portas duplas e outros vestígios que reflectem o secretismo dos
cultos.
No núcleo mais antigo os motivos cruciformes são ainda
visíveis nos nº96, 108 do Largo da Rua Direita, nos números 468, 470, 484 e 455
da Rua Fonte da Rosa e no nº137 da Travessa da Fonte da Rosa.
No segundo núcleo observam-se motivos cruciformes no nº31
do Largo de Santarém (nº31), no nº51 da Rua do Inverno (muitas vezes chamada
depreciativamente como Rua do Inferno quando nela habitavam membros da
comunidade judaica), nº56 da Rua 1º de Maio, nº90 da Travessa do Correio e nº140
da Rua 25 de Abril.
As cruzes são geralmente simples, apresentando algumas
hastes nas pontas. O seu tamanho varia entre os 6 e os 25,5 cm. O traço da gravação
é geralmente muito irregular e tosco, variando dos 0,4 aos 2,5 cm. Cabe referir
também que muitas destas cruzes aparecem associadas a portas biseladas, assim
como a casas com características comerciais.
Existem também referências à existência de outros motivos
cruciformes nas casas n.º 97 e n.º 107 (Rua Direita), assim como no n.º 483 e
486 (Rua Fonte da Rosa). O conjunto de casas formado pelos nºs 106, 107, 108 e 109
teriam ligação interna entre si, de modo a poderem servir de escapatória, caso
fossem detectados nas suas práticas. As casas n.º 102 e 103 e também o n.º 138
também teriam ligação interna entre si. Nas traseiras do edifício n.º 138 é
possível observar uma porta entaipada que daria com outro edifício, hoje em
ruínas. Na Rua Pedro Álvares Cabral são também referidas cruzes em alguns
edifícios.
Cruciforme identificado em
Belmonte. Foto: UM JEITO MANSO
Em Belmonte registaram-se também cruzes em afloramentos
rochosos, talvez com a intenção de demarcar espaços e no Lagar da Fontinha, aí
em razoável quantidade.
De referir, no entanto, que a existência de estes motivos
cruciformes, que podem estar associados a datas e outros anagramas, gravados
nas ombreiras de habitações e outros espaços públicos (fontes, moinhos, etc),
deve ser compreendida como um elemento de cristianização do local. Nem sempre a
gravação dum elemento cruciforme deve ser entendida como a marcação de um
espaço de ocupação judaica. Assim como não se deve entender todas as portas
biseladas e habitações com portas destinadas a local de comércio de judeus.
Todos estes elementos constituem vestígios de vivências, pelo
que a sua protecção é indispensável para a preservação da memória colectiva.
Ameaçados pela erosão, abandono, reconstruções do edificado e por acções
humanas, os vestígios da judiaria de Belmonte já são escassos.
Em 1989 a Comunidade Judaica de Belmonte é reconhecida
oficialmente e em 1996 inaugura a Sinagoga “Beit Eliahu” (Filho de Elias)
precisamente na Rua Fonte Rosa, uma das ruas da antiga judiaria. Também o
cemitério judaico foi aberto em 2001.
Sinagoga Beit Eliahu de Belmonte
Desde 2005 está igualmente aberto ao público o Museu
Judaico (único em Portugal) e Centro de Estudos Judaicos Adriano Vasco
Rodrigues que retrata a história da presença sefardita em Portugal, usos,
costumes e que integra um memorial sobre as últimas notícias da inquisição.
Fontes:
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ResponderEliminarBelmonte tem uma historia excepcional e representa a significativa hereditariedade judaica da populacao de Portugal.
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