domingo, 13 de outubro de 2013

“GUERRAS DO ALECRIM E MANJERONA”



Uma obra de António José da Silva, o Judeu



Procissão de auto-da-fé, saindo dos Estaus e desfilando 
pelo Rossio (J. A. Colmenar, 1707)



    António José da Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 1705, numa família de cristãos-novos. Os pais, presos pela Inquisição, são obrigados a vir para Lisboa, onde chegam em Outubro de 1712 com os três filhos, Baltasar, André e António.
     
     Na primeira metade do século XVIII, a Inquisição, que já se tinha apossado dos bens dos cristãos-novos na Metrópole, avança para o Brasil, onde o número de prisões aumenta exponencialmente.
     
   Portugal, naquela época, era um país atrasado, onde a alta aristocracia, parasitária, se confundia com o alto clero. Num clima de intolerância, intriga e denúncia, a toda-poderosa Inquisição perseguia o menor sinal de desenvoltura intelectual, mas acima de tudo perseguia os cristãos-novos. António José da Silva, brilhante comediógrafo, e homem marcado pelo Tribunal do Santo Ofício, é acusado de relapso, acabando por ser garrotado e queimado num auto-da-fé, realizado em Lisboa, no dia 18 de Outubro de 1739. 




     Nesta homenagem singela ao poeta, escritor e dramaturgo, considerado o principal responsável pela renovação do teatro português no século XVIII, vamos falar um pouco daquela que é considerada a sua obra-prima – “Guerras do Alecrim e Manjerona”.

     “Guerras do Alecrim e Manjerona” estreou no Teatro do Bairro Alto, no Carnaval de 1737. É uma ópera joco-séria, ou seja, uma comédia em prosa entremeada de canções, cuja autoria é atribuída a António Teixeira, um compositor celebradíssimo da época. As óperas de António José da Silva eram executadas por actores/cantores, que não apareciam em cena, mas antes acompanhavam marionetas (bonifrates), que eram a forma exterior de representar os espectáculos.


     A linguagem da peça constrói-se em torno de uma “jocosa” crítica social a diversos aspectos da sociedade portuguesa da época, tais como a decadência moral dos fidalgos, os avarentos, uma medicina retórica e balofa, ou uma justiça inoperante. 



Sinopse da peça


     Os jovens D. Fuas e D. Gilvaz, pretendentes de D. Nise e D. Clóris, sobrinhas do avarento D. Lancerote, reconhecem as meninas, que andam disfarçadas, mas revelam a sua identidade por levarem uma, um ramo de alecrim, outra, um ramo de manjerona.

     Os galantes conseguem conquistar os favores das damas, mas sobre o romance paira esta ameaça: D. Lancerote já tem intenções de casar uma das raparigas com D. Tibúrcio, seu sobrinho, pedindo-lhe que escolha uma das duas para sua esposa.

   Ajudadas pelo gracioso Semicúpio, um criado cheio de genica, as meninas conseguem encontrar os seus amantes e acabarão por casar-se com eles. Semicúpio casará com a criada Sevadilha, e tudo terminará em felicidade. 


Excerto da peça “Guerras do Alecrim e Manjerona”



Bonifrates – D. Tibúrcio e D. Lancerote


    A acção passa-se entre D. Tibúrcio, Semicúpio e D. Lancerote. Nesta cena, António José tem como objectivo pôr a claro os médicos intrujões, que pouco sabiam de medicina e muito de retórica.

     Eis que chegam D. Tibúrcio, a queixar-se de cólicas, e o criado Semicúpio, disfarçado de médico:


D. Tibúrcio
«Ai, minha barriga, que morro! Acuda-me, Senhor Doutor!»

Semicúpio
«Agora vou a isso. Ora diga-me: que lhe dói?»

D. Tibúrcio
«Tenho na barriga umas dores mui finas.»

Semicúpio
«Logo as engrossaremos. E tem o ventre túmido, inchado e pululante?»

D. Tibúrcio
«Alguma cousa.»

Semicúpio
«Vossa mercê é casada ou solteira?»

D. Tibúrcio
«Porquê, Senhor Doutor?»

Semicúpio
«Porque os sinais são de prenhe.»

D. Lancerote
«Não, Senhor, que meu sobrinho é macho.»

Semicúpio
«Dianteiro ou traseiro?»

D. Lancerote
«Ui, Senhor Doutor! Digo que o meu sobrinho é varão.»

Semicúpio
«De aço ou de ferro?»

D. Lancerote
«É homem! Não me entende?»

Semicúpio
«Ora acabe com isso. Eis aqui como por falta de informação morrem os doentes; pois, se eu não especulara isso com miudeza, entendendo que era macho, lhe aplicava um cravo; e, se fosse varão, umas limas; e, como já sei que é homem, logo veremos o que se lhe há-de fazer.»

D. Lancerote
«Eis aqui como gosto de ver os médicos: assim especulativos.»

(…)



A Dança, Painel de Azulejo do século XVIII, Portugal


    Terminamos com um excerto muito bem-humorado de uma Ária em dueto, gravada em Outubro de 2006, no Festival de Música Barroca de Pontoise, em França. São protagonistas, D. Lancerote e a criada Sevadilha, que num apelo desesperado à justiça, discutem acerca de um capote. 



Guerras do Alecrim e da Manjerona (1737) - Ária a Duo - Les Caractères
Direção: Xavier Julien-Laferrière
Solistas: Miriam Ruggeri & Rémi-Charles Caufman



Este, foi mais um artigo elaborado pela nossa amiga

Sónia Craveiro


Muito obrigada

Beijinhos



Fontes:

http://purl.pt/922/1/ - António José da Silva, Cronologia, Biblioteca Nacional
SANTARENO, Bernardo, O Judeu, (excerto do 3º acto), Edições Ática

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