quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Gela Seksztajn - A arte com memórias do sofrimento!



Gela Seksztajn, pintora, nascida em 1907 em Varsóvia, morreu, provavelmente, durante a Revolta do Gueto de Varsóvia. Felizmente, muitos de seus trabalhos foram salvos e agora fazem parte do Arquivo Ringelblum. O seu desejo está escrito na seguinte frase:



"Eu não peço elogios, tudo que eu quero é preservar a memória de mim e de minha talentosa filha Margelit ..."


Gela Seksztajn, foto cortesia do Instituto Histórico Judaico


Gela foi uma das cerca das cem criadoras, que compunham a comunidade artística judaica da capital. No início não era muito famosa, e só em 1938 é que começou a atingir a maturidade artística e a ganhar elogios dos críticos do seu trabalho. Gela especializou-se em desenhos e aguarelas, pintou retratos realistas, e ainda paisagens mantidas em esquemas de cores vivas e tons harmónicos.

Hoje, ela é uma das figuras mais conhecidas do gueto. Mais de 300 dos seus desenhos, guaches e aquarelas dos anos 1930-1942 fazem parte do Arquivo Ghetto de Varsóvia. A coleção inclui também a sua biografia, a sua vontade e do seu marido e outros documentos pessoais. O arquivo foi criado por iniciativa de Emanuel Ringelblum (1900-1944), que fundou o conspirational grupo "Oneg Szabat" (Joy Satuday) que coletou e editou vários materiais. O marido de gela, Izrael Lichtensztejn (1904-1943), além de ser um escritor e um professor também foi um membro deste grupo clandestino. Ele participou da ocultação da primeira parte do arquivo em 1942 e encheu umas dez caixas que estavam à sua disposição, com obras de Gela. Ao fazer isso, ele preservou a memória da artista e a sua obra.



Foto de Izrael Lichtensztejn


Juventude

Gela Seksztajn veio de uma família da classe trabalhadora, seu pai era sapateiro. Sua mãe, que veio da intelligentsia morreu em 1918. Em 1924 Gela terminou a escola primária na (iídiche Organização Escolar Central) CISZO situada na rua Nowolipki, nº 68. O escritor Jehoszua Cantor foi o primeiro a descobrir o seu talento. Ele a apresentou ao actor e director - Jonas Turkow, que por sua vez a apresenta a um escultor conhecido, Henryk Kuna. Graças a Kuna, o Ministério da Denominações e iluminação Pública concedeu-lhe uma bolsa de estudos de dois meses na Academia de Belas Artes de Cracóvia. No início dos anos trinta, a artista mostrou a sua gratidão por pintar retratos de pessoas que a ajudaram. Uma das suas primeiras aquarelas mostra uma imagem de Singer. Em Cracóvia, ela passou cerca de 13 anos e durante esse tempo estudou na academia por dois anos. Contudo o seu nome não figura nos registos dos vários alunos que podem ser encontrados nos arquivos da escola. Gela também trabalhou num estúdio fotográfico, como retocadora - e provavelmente foi ai que aprendeu e cresceu ao apreciar a arte do retrato.



Henryk Kuna ao lado de sua escultura "Estrela da Manhã"


A artista começou sua carreira artística em 1930, em Varsóvia. Desde 1931, participou regularmente em exposições organizadas por artistas judeus na capital. A pintora era membro de duas sociedades - da Sociedade de judeus Artistas Plásticos e da Sociedade judaica para a Propagação de Belas Artes de Varsóvia. Parece, porém, que seus amigos mais próximos eram escritores, em vez de artistas plásticos. A prova que aponta para este facto é a de que ela pintou mais de vinte retratos de pessoas envolvidas com a União de Escritores e jornalistas judeus. Estas obras fazem parte do arquivo Ringelblum. Eles foram pintados com aquarela ou desenhados em papel de seda que habilmente mostram pessoas como Mojżesz Broderson, Szymon Horończyk, Icyk Manger, Baruch Gelman, Jehoszui Singer e outros.




Pintar era o seu único desejo. [...] O desenvolvimento das suas habilidades artísticas eram constantemente prejudicadas pelas suas condições precárias de vida, mas ela nunca perdeu a esperança de que iria realizar os seus objetivos. Gela gostava muito de desenhar crianças. Amava-los e sabia que podia encontrar beleza em cada uma delas. Sentia-se viva, relaxada e feliz sempre que pintava uma criança judia (" Pintores judeus no gueto de Varsóvia em Nasze słowo 1948).

Gela Seksztajn, fragmento da pintura "Retrato de uma menina", papel, aquarela, datada de 1932-1939, foto cortesia do Instituto Histórico Judeu.






Vida em Família

Gela voltou a Varsóvia em 1937 com a intenção de se estabelecer na cidade. A sua decisão foi provavelmente influenciada pela sua familiaridade com Izrael Lichtensztejn. Eles casaram-se em 1938 e passaram a viver na rua Okopowa, nº29/23. Depois do casamento, as condições de vida de Gela mudaram para melhor. Graças a seu marido, ela trabalhou em escolas judaicas de ensino de desenho e artes plásticas. Juntos, o casal levavam as crianças para os acampamentos de verão em Kazimierz Dolny no rio Vístula. Eles foram lá duas vezes, em 1938 e em 1939. Gela retratou crianças e algumas paisagens vivas. Foi, provavelmente, a comunidade escolar que a convenceu a organizar a exposição individual intitulada "Criança judia".



Gela Seksztajn, "Little Girl", photo: Jewish Historic Institute



O fim dos anos trinta foi um tempo muito ocupado na sua vida. A maioria das aquarelas e desenhos da coleção Reingelblum foram feitas neste período. Em 1938, ela participou de duas exposições, e recebeu críticas mornas. Em 1939, ela participou do jubileu "Salão da Sociedade dos Artistas Plásticos judeus".

A informação sobre a vida da pintora de Setembro de 1939 a Abril 1943 é escassa. Provavelmente ela e o seu marido perderam os seus empregos nas escolas judaicas e instituições culturais foram fechadas na virada 1939 e 1940. Pouco antes do gueto passar a ser uma área fechada, a 4 de Novembro de 1940 ela deu à luz sua filha Margelit. Menos de dois anos depois, ela escreveu no seu testamento que: 

"A minha filha é meu orgulho e alegria. Uma criança saudável, talentosa e bonita. Ela também é uma fonte de dor e drama. Eu apenas gostaria de poder viver mais porque seria importante para a minha amada filha".


Gela e a sua filha Margelit



Gueto

Os Lichtensztejns foram forçados a mudar de morada várias de vezes. De acordo com documentos históricos ficaram em sua casa da pré-guerra na rua Okopowa, nº 29/23, até Outubro de 1940. Em Abril de 1942 viveram na rua Pawia, nº 81 e ainda na rua Dzielna, nº 93.

No gueto eles tentaram continuar com as suas ocupações normais. Izrael  juntou-se ao grupo acima mencionado "Oneg Szabat",  trabalhou para organizações de caridade e tornou-se um dos gerentes da cozinha da escola primária  n º. 145 na rus Nowolipki nº 68. Esta instituição de ensino também empregou Gela. Ela ensinou a desenhar e preparou exposições com as obras dos seus alunos; crou também figurinos e decorações para os jogos da escola, por exemplo para "As Estações", um espetáculo que foi encenado no teatro Femina em 1942. Ela foi elogiada pelo seu compromisso, em 1942, e recebeu um prémio do presidente do Judenrat - Adam Czerniakow.



 Mesmo tendo ela que lutar pela sobrevivência de sua família e cuidar da sua filha, na maior parte de seu tempo, ela ainda tentava pintar. Concentrou em pessoas nos seus arredores mais próximos - na sua família, alunos, colegas de trabalho e amigos. A sua postura artística foi expressa pelas palavras de sua última vontade:
"Eu não posso transmitir os detalhes de nosso destino horrível, da nossa grande tragédia nacional, assim, deixo isso para os meus amigos e escritores judeus".


O auto-retrato conhecido da pintora é deste período. Pensasse que a artista provavelmente terá mantido contato com as comunidades literárias e artísticas, que se concentraram sobre as cozinhas do gueto. Jantou com os escritores em primeiro lugar na rua Karmelicka, nº 5, e mais tarde, na rua Tłomackie, nº 13, Jantou ainda com os jornalistas na rua Leszno, nº 14, e com os artistas na rua Orla, nº 6. 



Auto-retrato de Gela


No dia 22 de Julho, os nazis começaram a deportar os habitantes do gueto para o campo de extermínio de Treblinka. A operação foi levada adiante, com intervalos, até ao dia 21 de Setembro. Cerca de 300 000 mil pessoas foram transportadas e outras assassinadas. Na virada de Julho e Agosto, em circunstâncias excepcionalmente dramáticas, Gela estava a preparar-se para esconder suas pinturas, e escreveu: 

"Agora estou guardando o que posso e deixo o resto ao cuidado de D’us, assim, eu peço a quem encontrar os meus trabalhos que leve em consideração que eu tinha que reduzir seus formatos para ajustá-los às condições existentes."


Neste ponto, ela provavelmente assinou a maioria das peças com inscrições judaicas e forneceu-lhes números de identificação.




Morte

Após a "operação" e sob as autoridades nazis, criaram um "gueto parcial", que se assemelhava muito um campo de trabalho. A área foi coberta com oficinas - galpões, nos quais a maioria dos judeus que restavam foi descoberta. Sabe-se com certeza que Lichtensztejn e Emanuel Ringelblum foram atribuídos ao abrigo de Bernard Hallman, que estava localizado próximo da rua Nowolipki. Gela e sua filha mantinham-se escondidas.

O último "sinal" de sua vida é uma carta de 22 de Setembro 1942 e que estava dirigida ao Sr. Hirszel, um homem que tinha uma posição importante no galpão do B. Hallman. Na nota Gela pediu para ser designada para a oficina:

"Eu sou provavelmente a única pintora de todos os pintores judeus e, em geral de todos os judeus criadores, não existem mais artistas aqui. Acho que a nação judaica do futuro não deve ser composta apenas por artesãos (...). A arte sobre o judaísmo deve ser salva, para que a vida judaica mais tarde pode ser de novo recriada através do pincel ou da caneta ".

Infelizmente, como foi afirmado pela anotação de seu marido sobre o documento, a tentativa de Gela "não deu em nada". Lichtensztejn juntamente com Ringelblum participou dos preparativos para o levante. Foi Ringelblum, que passou a informação sobre a morte de Lichtensztejn. O marido de Gela morreu na noite de 17 de Abril:

"Na manhã cinzenta nos despedimos. Smolar e Lichtensztejn decidiram ir em direção do barracão do Brauer na rua Nalewki, mas provavelmente, eles nunca lá chegaram, porque a área que teriam de atravessar era densamente coberta pela polícia e as SS. Provavelmente eles foram mortos ao longo do caminho, como milhares de outros judeus de Varsóvia ".

Baseando-se em informações de documentos e das relações, tem que se assumir que Gela e sua filha Margelit morreram durante o levante, que durou até o dia 16 de Maio de 1943.




O relatório da abertura da caixa contendo o legado de Gela contém uma frase importante, que foi escrito pela Dra. Laura Eichhorn na presença de Bluma e Hersz Wasser, que eram amigos da família Lichtensztejn:

"Gela e seu marido e filho morreram sem deixar rastro, nenhum de seus amigos que sobreviveram, sabem como morreram os Lichtensztejns".


Autor: Magdalena Tarnowska, Abril 2013



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