sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Herança judaica em Portugal



A nossa herança.


Biblia de Cervera, Armas de Castela e Leão


Muito já se escreveu sobre a herança de judeus na Península Ibérica. Depois de uma visita a 15 cidades portuguesas, incluindo as sinagogas e museus de Lisboa, Belmonte, Castelo de Vide e Tomar, pode-se concluir que a herança judaica foi muito forte e altamente representativa.

Expulsos da Espanha em 1496, os judeus encontraram abrigo no país vizinho, a que chegaram das mais diversas formas, incluindo caminhadas a pé e a utilização de carros de bois, sempre somente com a roupa do corpo. Diz a história que os primeiros judeus foram para Castelo de Vide ainda no período romano. A situação começou a se complicar a partir de 1497, quando o rei D. Manuel I determinou a conversão forçada que deu origem aos cristãos-novos e aos criptos judeus, estes com a característica de manter os postulados da sua crença de forma oculta. Muitos deles, por isso mesmo, vieram para o Brasil, em busca de liberdade religiosa.



Pintura de Alex Levin

É preciso entender que antes da Inquisição árabes e judeus viveram 400 anos em perfeita harmonia na Península Ibérica, onde floresceram lado a lado judiarias e mourarias que ainda hoje subsistem como locais históricos. Sendo ambos os povos originários do patriarca Abrahão, é difícil compreender as razões da posterior animosidade nessas relações.

O fato mais chocante da nossa viagem foi a revelação, nas sinagogas portuguesas, dos nomes dos cristãos-novos que foram queimados pela inquisição pelo simples fato de terem origem judaica. Um crime inominável que levou o presidente Mário Soares, em 17 de março de 1989, numa visita a Clive, a declarar enfaticamente: “Na paisagem alentejana e nesta tão bela terra, a judiaria ergue-se, desafiando os séculos como um símbolo que desejamos seja de tolerância, de fraternidade e de unidade essencial do gênero humano. Em nome de Portugal, peço perdão aos judeus pelas perseguições que sofreram em nossa terra”.

Um consolo é certo, para tanto sofrimento envolvendo nomes e sobrenomes que nos são extremamente familiares: Gonçalves Dias, Diogo Lopes, Ana Mendes, Jorge Nunes, Garcia da Orta, Leonor Rodrigues, Álvaro Pais, Cristóvão de Torres, Leonor Vaz, Filipa Mendes, entre outros. O caso de Garcia da Orta é emblemático: médico e pesquisador de plantas medicinais, amigo de Camões na Índia, morreu e foi enterrado como católico. A Inquisição desconfiou dele e mandou desenterrar o corpo, que foi exumado. Então se descobriu que era judeu: foi queimado depois de morto, em 1580, numa prova da barbárie desses tempos. O mesmo ocorreu com a sua irmã Catarina.

Assinala-se a presença judaica em Vide no extenso período de 1300 a 1600. Muitos deles eram cardadores que vendiam seus produtos nas feiras da Espanha (Cáceres, Safra, Córdova, Sevilha, etc.). Antes, em Belmonte, tínhamos tomado conhecimento da existência das famílias Vaz, Henriques, Rodrigues, Nunes, Morão, De Sousa, Mendes, Diogo, Cunha e Pereira. De notável, o sobrenome Gouveia, que era da mãe judia de Pedro Álvares Cabral, o que pode explicar a razão de ter ele selecionado para a viagem ao Brasil uma tripulação constituída basicamente de cristãos-novos.
Com a destruição do templo de Jerusalém, por parte dos romanos, no ano 70 a.e.C., os judeus dirigiram-se à península ibérica, no que a história denominou de Diáspora ou dispersão. De início na Espanha (Sefarad), onde foram bem acolhidos, deixaram fortes marcas culturais da sua passagem, de que talvez tenha sido o maior símbolo o médico e filósofo Maimônides, Rabi Moshe Ben Maimon, cuja codificação dos 613 mandamentos da Torá é até hoje lembrada.


Pintura de Jan Voerman

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