“O
rei astuto e os dois pintores”
Numa terra distante, há muitos anos, um
rei mandou construir o mais belo palácio de que havia memória. Quando ficou
pronto, o rei quis decorar as paredes dos salões com pinturas das paisagens do
seu reino. Havia naquele tempo e naquelas paragens dois pintores famosos muito
apreciados pelo seu talento. Sem saber como escolher entre os dois, o rei
chamou-os a ambos e desafiou-os a pintar cada um, uma parede de um dos imensos
corredores do palácio. Entre eles o rei mandou colocar uma pesada cortina, que
os impedia de ver o trabalho do outro.
Aos dois disse o rei: “Têm três meses para
pintar uma paisagem na parede. Nessa altura escolherei a pintura que mais
gostar; o seu autor será convidado para decorar o resto das paredes do palácio
e receberá uma sacola cheia de ouro e joias.” Um dos artistas, talentoso e
trabalhador, tinha tudo preparado e começou de imediato a pintar. Praticamente
não dormia e pouco comia dos manjares que os criados do rei lhe traziam. A pintura
ocupava todos os seus pensamentos e gestos. O outro era bastante preguiçoso.
Todos os dias acordava tarde e passava o resto do dia refastelado, bebendo dos
melhores vinhos das adegas do rei e comendo o que de melhor lhe serviam. Tudo
sem levantar o pincel uma única vez. Quando ouvia o colega trabalhar, ria
desabridamente: “Que tolo, está no palácio e nem sabe gozar o luxo”, dizia ele
entredentes.
Os dias e meses foram passando. Um pintava dia e noite. O outro nada
fazia. Até que faltaram apenas três dias para que terminasse o prazo dado pelo
rei e o pintor preguiçoso acordou a meio da noite encharcado em
suor: “Não fiz trabalho nenhum…
o rei vai-me castigar com toda a certeza.” Aflito, o pintor não comeu nem
dormiu. Dois dias passaram sem que ele conseguisse pensar num plano. Até que,
finalmente, na véspera da chegada do rei, teve uma ideia. Pegou numa lata de
óleo negro e pintou a parede inteira até que esta ficou brilhante como um
espelho.
Na manhã seguinte o rei,
acompanhado por membros da corte, veio inspecionar o trabalho dos dois pintores.
Virando-se para a primeira metade do corredor, o rei ficou maravilhado com o
trabalho do pintor esforçado. Em cores vibrantes, o artista retratara fielmente
a paisagem que envolvia o palácio. “Nunca vi nada tão perfeito. Aqueles
pássaros, que beleza, quase que os oiço chilrear. E as flores… só lhes falta o
aroma”, disse o rei, maravilhado.
Depois de alguns minutos
passados na contemplação da pintura, o rei ordenou que fosse retirada a
cortina, para que pudesse ver o que fizera o outro pintor. Para espanto de todos,
a segunda parede era exatamente igual à primeira. Uma cópia perfeita, com todos
os traços e pinceladas. Ali estavam as mesmas árvores, os mesmos pássaros
chilreantes e os mesmos canteiros floridos. “Como é isto possível?”,
interrogavam-se entre si os membros da corte. Mas o rei não se deixara enganar
com a mesma facilidade. Sem pensar duas vezes, o rei pegou na prometida sacola
de ouro e joias e colocou-a junto à parede verdadeiramente pintada. Outra
sacola idêntica apareceu de pronto no outro lado, fazendo com que todos
percebessem que se tratava de um simples reflexo. Então o rei declarou
solenemente: “Cada um de vós receberá o pagamento que merece. Vá, aproximem-se
das vossas obras e que cada um recolha a recompensa posta ao lado da respetiva
pintura.”
Pequeno conto do rabino Nachman de Bratslav,
Ucrânia, (1772-1810), publicado no livro Kokhavey
Or (Estrelas de Luz),
editado em Jerusalém, em 1896.
Com os agradecimentos muito especiais à minha amiga
Sónia Craveiro
que me enviou este artigo.
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