terça-feira, 23 de outubro de 2012

OS JUDEUS DE PRAGA




Sinagoga Staronová e Câmara Municipal Judaica, Adolf Kohn (1868-1953)
 
    Praga é a primeira cidade da Boémia onde se regista uma comunidade judaica. São várias as fontes que referem a presença de judeus em território checo, já no século X. Uma delas é a crónica mais antiga da Boémia – Kronika Čehů -, escrita originalmente em latim – Chronica Bohemorum -, por Cosmas de Praga, entre 1119 e 1125.
 

Kosmas, Decano do Capítulo de Praga
 
    De uma forma geral os judeus nunca foram bem aceites na Boémia. Entre finais do século XI e princípios do século XII, os judeus de Praga foram alvo de perseguições pelos cruzados, e os seus direitos civis severamente limitados. É neste período que os judeus são forçados a estabelecer a sua comunidade na margem direita do rio Vltava (Moldava), perto da Praça Velha (Staromětské Náměstí). Esta foi a origem do Gueto de Praga.
   No século XIII, após o Quarto Concílio de Latrão, a situação dos judeus não melhora, e estes passam à condição de servos da Casa Real, o que na prática significava que eram propriedade do rei.
 
Massacre dos judeus no Gueto de Praga, Páscoa de 1389
 
    Durante a Páscoa de 1389, membros do clero de Praga acusaram os judeus de terem profanado a hóstia eucarística, encorajando a arraia-miúda à pilhagem e a incendiar o bairro judeu. Praticamente toda a população dos judeus de Praga (3000 pessoas) pereceu. O Rabino Avigdor Karo, um dos poucos sobreviventes do massacre, escreveu uma elegia comovente descrevendo o ataque; esta elegia continua a ser lida em Praga, no Yom Kippur.
 
Renascimento em Praga
 
Hagadá de Praga, 1526
 
   O século XVI é considerado o período do Renascimento em Praga. De toda a Europa ocorrem artesãos, artistas e intelectuais, para se congregarem na “Cidade Dourada”. O imperador Rodolfo II, grande amante das artes, ciência e educação, rodeia-se dos mais proeminentes intelectuais, e a comunidade judaica da Boémia prospera. O gueto transforma-se num centro de misticismo judaico.
 
Rabino Loew (detalhe), Ladislav Šaloun (1870-1946)
 
   Uma das personalidades mais representativas do Judaísmo em Praga foi o Rabino Judah Loew ben Bezalel (1525-1609), também conhecido pelo seu acrónimo hebraico - MaHaRal. O Rabino Loew publicou mais de 50 livros, versando temas religiosos e filosóficos, e tornou-se uma figura lendária, a quem o povo atribuiu a milagrosa criação do Golem. Duas outras figuras de relevo da comunidade judaica desta época foram David Gans (1541-1613), matemático, historiador e astrónomo, e Mordechai Maisel, brilhante financista, homem de negócios e filantropo.
 
Saque da Praga judaica, Dezembro de 1744
 
   No início do século XVIII, os judeus representavam um quarto da população de Praga. Infelizmente, com a ascensão ao trono da imperatriz Maria de Teresa, os judeus foram expulsos de todo o reino. Contudo, o seu filho e sucessor, o imperador Joseph II, autorizou o regresso dos judeus. Joseph II implementou um conjunto de reformas que garantiram aos habitantes judeus liberdades e direitos civis. Os judeus foram autorizados a participar em todas as formas de comércio, agricultura e artes, e encorajados a construir escolas e fábricas. Até então as línguas usadas no gueto eram o hebraico e o yiddish, passando a usar-se a língua alemã nos negócios, para facilitar a monotorização do governo.
 
Sinagoga Staronová e Câmara Municipal Judaica (Židovská Radnice)
 
    Como reconhecimento pelo sentido de justiça do monarca, a comunidade judaica de Praga chamou à “sua cidade” Josefov, nome que ainda hoje é atribuído ao antigo bairro judeu. O gueto é abolido, e em 1852 Josefov passa a ser um Distrito de Praga. Os judeus ricos mudam-se para bairros melhores e o antigo gueto passa a ser um lugar de gente pobre.
 

Josefov antes do saneamento
 
    Em finais do século XIX, o declínio de Josefov era evidente. O antigo bairro judeu abrigava os pobres de Praga, pedintes e toda a espécie de gente estranha; a pequena criminalidade imperava e as condições de higiene eram catastróficas. Na impossibilidade de identificar os proprietários dos imóveis, o Município de Praga optou pelo seu confisco e posterior demolição. Entre 1893 e 1913, procedeu-se ao saneamento do velho gueto. Foram preservados edifícios de valor patrimonial: seis sinagogas, o velho cemitério e a Câmara Municipal Judaica.
 
Franz Kafka (1883-1924)
 
    Em meados de 1800, os judeus foram apanhados na guerra cultural entre os falantes de checo e os falantes de alemão. Entretanto, no último quartel do século XIX emergiram numerosas instituições dedicadas à cultura checo-judaica. Mas nem todos os judeus se sentiam confortáveis com a situação; alguns permaneciam fiéis à cultura e língua alemãs, enquanto que outros favoreciam uma nova ideologia – o Sionismo.
 
     Durante as primeiras décadas do século XX, judeus falantes de alemão, em Praga, produziram um corpo de literatura aclamada internacionalmente. Os mais famosos desses escritores foram Franz Kafka, Max Brod e Franz Werfel. Esta foi a última geração de intelectuais antes da Segunda Guerra Mundial.
 
Judeus de Praga deportados para Terezín
 
 
     A anexação dos territórios da Boémia e da Morávia à Alemanha – o Protetorado Nazi – teve lugar a 15 de Março de 1939. No dealbar da Segunda Guerra Mundial viviam em Praga mais de 92000 judeus, cerca de 20% da população da cidade. Pelo menos dois-terços da população judaica de Praga pereceu no Holocausto.
 
     Em Maio de 1945 a Alemanha Nazi é derrotada e o Exército Vermelho Soviético entra em Praga. Em 1948 é instaurado o regime comunista, e em 1950 cerca de metade dos 15000 judeus checos que sobreviveram à guerra, emigra para Israel.
 
 
 
Václav Havel, primeiro Presidente da República Checa (1993-2003)
 
 


    Em Novembro de 1989, o Partido Comunista resigna e Václav Havel, o célebre dramaturgo que liderou a chamada “Revolução de Veludo”, é nomeado presidente. Em Junho de 1990, o país tem as suas primeiras eleições livres, desde 1946. Em Janeiro de 1993, a Checoslováquia divide-se em dois países – a Eslováquia e a República Checa. Praga, a histórica capital da região, desde o Antigo Regime, torna-se a capital da República Checa.
 
 
 
   
 
   Após a eleição do Presidente Havel, os assuntos judaicos tornam-se enormemente populares. As relações diplomáticas com Israel, que haviam sido rompidas em 1967, aquando da Guerra dos Seis Dias, foram restauradas. O processo de restituição de propriedade aos judeus, começou imediatamente.


 
 
 
 
Marionetas de judeus
 
 
Atualmente, a Federação Checa das Comunidades Judaicas conta com cerca de 3000 membros, 1600 dos quais vivem em Praga.
 
 
     Embora o antissemitismo não seja considerado um problema na nova República Checa, mantém-se na periferia da sociedade. Em Novembro de 2007 um grupo de extrema-direita ligado aos neonazis, planeou uma marcha no bairro judeu, que logo foi contestada pelos líderes judeus e prontamente proibida pela Câmara Municipal de Praga. Em 2000 foi aprovada uma lei que prevê penas de prisão, que podem ir de 6 meses a 3 anos, para quem negar publicamente o Holocausto, questionar, tentar justificar ou aprovar o genocídio nazi.
 
 

Membros da Comunidade Judaica sopram os shofroth durante uma demonstração contra a marcha de neonazis, no histórico bairro judeu de Praga, no dia 10 de Novembro de 2007

 
     Praga, no século XIX, converteu-se no centro de um movimento nacionalista que se manifestou na literatura, no teatro, na música e, claro, na afirmação da língua checa. Deste modo, em 1848, a cidade uniu-se às revoluções democráticas que floresciam na Europa, e foi a primeira do Império Austro-Húngaro a manifestar-se a favor da reforma. Foi neste cenário que o compositor checo Bedřich Smetana compôs um ciclo de seis poemas sinfónicos, que intitulou Má Vlast (“A Minha Pátria”), que representam a história, as lendas e a paisagem da Boémia, pátria do compositor. Propomos a audição da parte dedicada ao rio Moldava – Vltava -, que tem como tema melódico uma adaptação de La Mantovana, uma melodia antiga do século XVII. Esta melodia ganhou popularidade pela Europa, tendo surgido em alguns países com outros títulos, como por exemplo "Pod Krakowem" na Polónia, ou “Cucuruz cu frunza-n sus” na Roménia. Em 1888, crê-se que o compositor Samuel Cohen, colono de Rishon le Tzion, tenha adaptado a melodia romena para Hatikvá. Desde então, com várias modificações na letra, a melodia foi adotada como hino do movimento sionista e é hoje o Hino do Estado de Israel.
 
 
 
 
Este artigo é o resultado das muitas e excelentes pesquisas da minha querida amiga,
Sónia Craveiro.
Muito obrigada Sónia
Beijinhos
 
 
 
 


Fontes:


 

2 comentários:

  1. Obrigada por um relato simples esclarecedor desta parte da história, que pouco sabemos.
    Adorei ouvir o hino ao final mostrando um pouquinho de Praga
    Grata a todos que colaboraram para isto
    Priscila

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