Leiria
Cidade portuguesa situada na
região da Beira, com quase 127.000 habitantes.
Já estamos no coração burgo. O ambiente sugere-nos, ainda,
a última Feira, que vinha desde os tempos de D. Dinis. A austeridade da arcaria
à vista, leva-nos a ultrapassar o estilo pombalino do edifício do Ateneu e ver
ali a medieval Igreja de S. Martinho.
Em frente, o casario relembra-nos os
Paços de Concelho do séc. XVI e o pelourinho desaparecido. À direita da Praça
temos a silhueta da antiga Judiaria, que teve o seu apogeu no séc. XV, antes da
expulsão em 1496.
Mesmo sobre o local da sinagoga foi
construída a Igreja da Misericórdia, em 1544, com hospital e largas rendas. O
bairro judeu perfilava-se ao longo das ruelas estreitas que envolvem o templo.
O bulício do comércio e das oficinas hebraicas tem como herdeiros o típico
pequeno comércio que ainda hoje enxameia o quarteirão. As marcas
arquitectónicas ainda poderão ser visíveis nalgumas portadas, lápides com datas
e ''cachorros'' de pedra trabalhados.
Igreja da Misericórdia (Foto de David Leal)
Nas traseiras da Igreja da Misericórdia
(onde foi a sinagoga) e na rua onde morou Eça de Queiroz, podemos ver um painel
de azulejos, ali colocado pela Câmara Municipal, em 1971. Pretende este
memorial homenagear o leiriense Américo Cortez Pinto, que dedicou muito da sua
vida ao estudo dos primórdios da tipografia em Portugal. O painel refere um
texto quinhentista de um académico, também leiriense, que ouvira de Pedro Nunes
que a 1ª oficina de impressão tipográfica portuguesa teria sido em Leiria,
graças ao labor da comunidade judaica e à proximidade da fabricação de papel.
Painel Memorial - Este painel de azulejos reza o seguinte:
“...atesta de fama e voz constante no
seu tempo, que já vinha autorizada do nosso insigne matemático Pedro Nunes, e
doutros varões muito sabedores das nossas coisas, que Leiria fora a primeira
cidade em toda a Hispânia que tivera impressão de forma ou de caracteres
metálicos, quais João de Guttenberg havia inventado na cidade de Mogúncia.
Pedro Afonso de Vasconcellos (da famosa arte de imprimissão - de Américo Cortez
Pinto). A imprensa fora inventada pelo judeu alemão Guttenberg e, naturalmente,
a comunidade judaica encarregou-se de a transportar pela Europa. Leiria,
combinando uma forte comunidade hebraica + a existência de um moinho de papel
(a visitar futuramente), reuniu as condições para esta proeza ibérica.”
Leiria
Fundada por D. Afonso Henriques, em
1135, Leiria começou por se afirmar num território até aí controlado pelos
Árabes. A cidade foi brevemente retomada pelos Mouros em 1137, e mais tarde em
1140. Em 1142, Afonso Henriques reconquistou Leiria, sendo desse ano o primeiro
foral (carta de direitos feudais), atribuído para estimular a colonização da
área.
A cidade desenvolveu-se no sopé da colina, banhada pelo rio
Lis e espalhando-se de acordo com a estrutura típica de cidades medievais.
Menos de cem anos depois da "reconquista", já existem referências à
presença judaica neste centro urbano que se encontrava devidamente muralhado e
dominado por um castelo. A primeira referência documental a um judeu de Leiria
é datada de 1219, um tal Jucefe de Leirena.
O primeiro assentamento de Judeus em
Leiria surgiu num sítio que começou por ser marginal à urbe fortificada,
acompanhando o caminho de acesso às Portas do Sol da povoação. Caminho que
evoluirá para Rua Direita.
A partir do séc. XIII a população
judaica de Leiria foi crescendo numericamente e reforçando-se economicamente.
Em 1337 já se refere a Rua da Judiaria e a afirmação de bairro delimitado
cresce de igual forma englobando cada vez mais funções comerciais, artesanais e
habitacionais. Com o crescimento urbano, a judiaria acabou por ficar num local
central da cidade extra muralhas, justamente aquele que teria as
características de espaço comercial e mercantil por excelência no burgo
medieval.
Localização da Judiaria de
Leiria
Entre os séculos XIII e XIV os Judeus
interessam-se na compra de terras ou no investimento de produtos vinícolas,
interesse que poderá advir da necessidade de garantir aos Judeus leirienses os
vinhos próprios consentidos na sua tradição religiosa.
Muito provavelmente na Páscoa de 1377,
os fiéis cristãos de Leiria invadiram a Judiaria "britando as portas"
e fazendo "mal e danos nos corpos", perante a passividade das
justiças locais.
No século XV, Leiria atingia o apogeu da
influência hebraica, ao ponto de empreenderem uma florescente actividade
industrial. Nessa altura executa-se a delimitação física e o isolamento
arquitectónico da Judiaria, tendo já portas para a Pr. de S. Martinho em 1412.
O bairro judeu de Leiria estava centrado
na Rua da Judiaria (Misericórdia), abrangendo a área hoje ocupada desde a Rua
Dom Afonso Henriques, Rua Dom Dinis à Praça de S. Martinho e Largo da Sé. Em
consequência, a antiga judiaria terá coincidido com o coração do actual centro
histórico da cidade.
Planta de Leiria do séc. XV com
localização da Judiaria
A superfície ocupada pelo bairro judeu de Leiria rondaria
cerca de 1.5 hectares, um pouco menor que a da Judiaria Grande de Lisboa (1.88
hectares) e maior que a do bairro judaico de Évora (1.24 hectares) e que a da
judiaria do Olival, no Porto (com 1.20 a 1.8 hectares).
No
seio da Judiaria as escadinhas da Rua do Beco, ainda hoje existentes, abriram,
assim, uma via de comunicação à Rua D. Afonso Henriques, então chamada Rua de
Cima, onde a direcção da Ordem de S. João do Hospital tinha prédios e onde a
entrada de Judeus estava interdita.
R. do Beco no seio da Judiaria
de Leiria
Antes da sua expulsão, a maioria dos
Judeus de Leiria dedicava-se ao comércio e ao trabalho manual, mas também havia
quem exercesse cargos de grande responsabilidade. Por exemplo, os médicos da
cidade eram todos judeus e a sua importância era tal, que eram autorizados a
circular livremente pelas ruas cristãs, o que era proibido ao resto da
comunidade hebraica.
A Rua do Godim (actual rua Gago
Coutinho) seria o limite meridional da Judiaria de Leiria.
Descobrir a razão de ser do Largo dos
Banhos, avaliar a localização da Sinagoga (talvez, segundo a sabedoria popular,
onde em 1544 foi construída a actual Igreja da Misericórdia) e imaginar os
ourives artesãos, lagares e cavaliças as oficinas de couros e de ferreiros
tornam esta visita ao Centro histórico medieval um desafio.
Largo do Gato Preto, mais uma
fronteira da Judiaria de Leiria
Se olharmos para o Castelo a partir do Largo Paio Guterres (“Gato Preto”), ainda nos deparamos com genuíno casario medieval.
Se olharmos para o Castelo a partir do Largo Paio Guterres (“Gato Preto”), ainda nos deparamos com genuíno casario medieval.
Tendo sido centro de irradiação do crescimento da vila, ao
longo de ruas e ruelas que, a partir daqui, se abriam em estrela, foi também no
séc. XV, a Praça fronteira com a industriosa Judiaria. Ao entrarmos pela rua que evoca o grande vice-rei das
índias, deparamos-nos com a já rara tradição arquitectónica de Leiria: os arcos.
Este, contudo, traz belas marcas mas não tão antigas, de “arte nova”. Este era o caminho para os banhos público hebraicos, sentindo-se esse ambiente
no emaranhado de ruelas que, agora, vamos encontrando.
Rua de D. Afonso De Albuquerque
- (antiga Rua do Arco da Misericórdia)
A escola, a prisão e mesmo uma das
primeiras tipografias portuguesas também existiram na Judiaria, entre as quais
a do judeu Samuel das Ortas.
Entramos no coração da antiga Judiaria. Sobre o que terá
sido a sinagoga, a partir do séc. XVI foi construída a Igreja da Misericórdia,
que ostenta hoje, nas traseiras, o memorial referente ao apogeu deste bairro e
às oficinas gráficas da família Orta.
Pioneiro dessa arte no país, ali foi
impressa em 1496, pela primeira vez em Portugal uma obra de carácter
científico, o “Almanach Perpetuum”, de Abraão Zacuto, guia astronómico que o
próprio Vasco da Gama utilizou na sua navegação para a Índia.
“Almanach Perpetuum”
Mais à frente, temos um salto até ao
séc. XVI. Nesta rua ainda existe a casa onde, em 1870, morou Eça de Queirós
enquanto foi Administrador do Concelho.
Casa onde viveu Eça de Queiroz,
Travessa da Tipografia, 13.
Logo depois da expulsão dos Judeus de
Portugal a numerosa comunidade de cristãos-novos de Leiria foi muito perseguida
pela Inquisição, em especial durante o período de ocupação espanhola
(1580-1640).
Assim sendo, um dos processos mais
antigos da Inquisição de Lisboa relativos a Judeus de Leiria diz respeito a
Catarina Rodrigues, de alcunha A do-Penedo, que teria cem anos quando foi
presa, em 1562. Denunciada por outros cativos do Santo Ofício, Catarina
Rodrigues ouve a sentença condenatória em 15 de Maio de 1563, sendo queimada no
Rossio, em Lisboa, no dia seguinte.
O poeta Francisco Rodrigues Lobo foi um dos casos mais
relevantes de perseguição em Leiria. Dos cristãos-novos, é a grande glória das
letras da cidade. Morreu em 1616, afogado no Tejo, nas vésperas da grande
denúncia que atinge a comunidade de Leiria. Entre 1617-20 produz-se uma explosão
de denúncias que atinge, entre outros, familiares de Rodrigues Lobo que serão
também queimados na fogueira. A maioria das vítimas vivia na Rua Direita e na
Rua da Misericórdia. Alguns iam assistir à missa como forma de defesa.
O bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho,
secretário de Estado e governante do reino durante o período de ocupação
espanhola, foi um dos ministros da Igreja mais intolerantes contra os perdões
gerais aos cristãos-novos. "Embora já não fosse bispo de Leiria no período
de maior repressão, a verdade é que deixou as sementes.
Existem centenas de processos da inquisição de judeus de
Leiria, sobretudo em Lisboa e alguns em Coimbra", refere o historiador
local Saul António Gomes.
Fontes:
(Por Caeiro)
Viver Jornal
de Leiria
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