Reis judeus reinaram desde o século VIII até ao século XIV no sul da França.
Vista panorâmica de Narbonne
Por Nadine Epstein
As pessoas ficam surpreendidas quando eu menciono que
Narbonne, uma pequena cidade na região de Languedoc, sul da França, a norte dos
Pirenéus e a poucos quilómetros do interior do Mediterrâneo, foi lar de um
"reino judeu" governada por uma dinastia que se diz ser descendente
do Rei David. E por que não? Não é sempre que se ouve falar de reinos judeus
fora de Israel.
Localizada numa planície que liga a Europa à Península
Ibérica, Narbonne era uma cidade importante nos primeiros séculos da Era Comum,
disputada e controlada por diversas vezes pelos romanos, visigodos e entre
719-759, pelos sarracenos, como cristãos que naquela Era, eram chamados de muçulmanos.
Os judeus viviam lá em relativa paz desde pelo menos do
século V em diante, altura em que operam negócios comerciais e pagam um tributo
anual para a sua protecção. Mas, quando Pepino o Breve, Rei carolíngio, empurrou
os muçulmanos de volta para os Pirinéus, um novo e fascinante capítulo judaico começou
a desenrolar-se.
Tropas muçulmanas deixando
Narbonne
por
Pépin le Bref, no ano 759.
By Emile
Bayard, 1880
Existem muitas fontes históricas primárias que mencionam os romanos,
cristãos e judeus de Narbonne. Apesar de muitas contradições nestes relatos,
todos concordam que Pepin deu aos judeus um terço da cidade e o direito de
possuir propriedade hereditária, tornando-lhes possível construir fortunas em
imóveis, manufactura e indústria. As razões para esta benevolência variam de
texto para texto: Uma das fontes diz que os judeus ajudaram a derrotar os
sarracenos, outra que um judeu salvou o rei quando ele caiu do cavalo, e ainda
uma outra que os judeus tinham convencido os sarracenos a aceitar tributo sem
prejudicar o mensageiro. Alguns historiadores simplesmente atribuem o movimento
de Pepino a uma estratégia inteligente: Uma poderosa comunidade judaica poderia
facilitar o comércio mundial e funcionar como um tampão político entre terras
cristãs e não-cristãs do sul.
Pépin le Bref, por Louis Félix
Amiel, 1837.
Mas o motivo não se prendia apenas com esse facto; os reis
francos queriam um judeu de sangue nobre para governar o seu reino judeu. (Mais
uma vez, existem diferenças a respeito do porque é que a luta pela sucessão na
comunidade judaica é uma das razões mencionadas.) Esse homem era o rabino
Makhir, um estudioso babilónico que foi trazido para Narbonne para gerir uma
escola de estudos talmúdicos. Conta a história que Makhir era um príncipe (em
hebraico, nasi) de ascendência do Rei David e, como membro da família real
judaica, era elegível a ocupar o cargo honorário de governante dos judeus
exilados na Babilónia. Após a sua chegada a Narbonne, foram cedidos a Makhir
grandes territórios fora da cidade que tinham sido reconquistados aos
muçulmanos.
Selo do nasi de Narbonne.
Makhir dirigiu os assuntos da comunidade judaica e gerou uma
dinastia. Ele e seus descendentes não eram Reis soberanos, mas sim, "Rei
dos judeus", (rex Judaeorum -latim),
diz Norman Golb, professor emérito de história e civilização judaica na
Universidade de Chicago.
"Alguns estudiosos gozam
desta figura. Mas as fontes históricas são absolutamente inequívocas sobre a
presença em Narbonne de um rex Judaeorum.
"
Enquanto os Reis judeus não se pronunciaram sobre os cristãos,
receberam tratamento preferencial. Não só podiam ter criados cristãos, diz Nina
Caputo, professora de história na Universidade da Florida em Gainesville, como
também gozavam de privilégios a que os cristãos não tinham direito, como por
exemplo, o direito de portar armas. Os cristãos ficaram chocados e irritados
com esse comportamento "escandaloso".
Santo Agobardo expulsando os judeus de Lyon.
"Você já ouviu falar de Agobard de Lyon?" - Pergunta Nina Caputo - "Ele foi um bispo que entrou num conflito
com o rei Luís, o Piedoso [filho de Carlos Magno] no século IX. Louis tinha
dado aos judeus uma incrível liberdade de vida e comércio, e Agobard escreve
uma carta de reclamação dizendo que os judeus estão recebendo mais privilégios
do que os cristãos e que o rei está ameaçando a cristandade. "
Rei Luís, O Piedoso.
Narbonne neste momento era uma grande potência entre uma
teia regional complexa de principados. "É bem acima dos Pirenéus, mesmo no
limite da autoridade cristã”, diz Caputo.
"Era um local de
batalhas importantes. Era um local de comércio importante e de política local,
"Narbonne era também um lugar de aprendizagem talmúdica. O Rabino Makhir e
os seus descendentes eram famosos pela sua enorme capacidade de interpretar a
lei talmúdica e pela sua influência espiritual realizada sobre os judeus em
toda a região e não só.
Narbonne
Benjamin de Tudela, o grande viajante judeu da Idade Média,
que passou por Narbonne na sua viagem para o Oriente, no século XII, descreveu
Narbonne como "dona da lei hebraica," com os judeus lá de e "a
raça de David" que possuem, terão "grandes bens" sob a protecção
dos príncipes do país.
Benjamin de Tudela.
Eram tempos voláteis, e os judeus, como todos os outros,
poderiam estar sujeitos à violência. Há um registo de um tal surto em 1236, e que
foi este mesmo registo que me levou a fazer este artigo, e que conta o
seguinte:
No decorrer de uma luta com um pescador cristão, um judeu
desferiu-lhe um golpe que o levou à morte. Os enfurecidos cristãos de Narbonne,
França, começaram um tumulto e ataques à comunidade judaica. O governador de
Narbonne, Don Aymeric, interveio rapidamente e despachou um grupo de soldados
para proteger a comunidade judaica. A rebelião foi contida e todos os despojos
que tinham sido roubados durante os conflitos foram devolvidos aos judeus. O 21
de Adar ficou registado como “Purim Narbonne”, um dia no qual a comunidade
celebra anualmente este evento histórico.
No dia de hoje na história
judaica, dia 21 de Adar do ano 5774, acontecia o Purim Narbonne.
Celebração do Purim de Narbonne,
na sinagoga em Amestardão.
Eventualmente foi a prosperidade da comunidade judaica que o
levou à sua morte. Viscondes de Narbonne beneficiaram de impostos judeus, assim
como os Reis franceses, cheios de dívidas, começaram a ficar de olho nas
propriedades judaicas, como uma forma de enriquecer os seus cofres. Em 1306, o
rei Filipe, o Belo confiscou as mesmas dos judeus e expulsou-os, apesar dos
esforços das autoridades locais para os proteger.
Algumas décadas mais tarde, a peste irrompeu em Narbonne, e
uma enxurrada mudou o curso do rio Aude, impedindo os navios de atingir a
cidade. Narbonne entrou em declínio e nunca se recuperou a sua proeminência.
Embora os descendentes de Rabbi Makhir já não governassem nenhum reino, eles
continuaram a casar-se com as famílias nobres da Europa, tanto judaicas como
cristãs, espalhando assim, a pretensão de ascendência davídica. É difícil
separar o fato da lenda, mas algumas genealogias fazem a ligação entre os Reis
judeus de Narbonne com os grandes monarcas da Europa, como por exemplo; os
fundadores dos Illuminati e até mesmo
o Rei Artur.
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