Um texto de Pessach
Haggadah de Mainz, 1726
O Faraó e o seu exército afogando-se no
Mar Vermelho (Êxodo 14:28)
Pessach é um período do calendário
judaico caracterizado pelo Êxodo do Egipto, rumo à liberdade. Segundo a
interpretação de *PaRDeS, no simbolismo judaico há dois gestos especificamente
ligados a este período, que sendo semelhantes, são também paralelos em sentido
e intensidade – ABRINDO O MAR/ABRINDO A PORTA.
Quando na
fuga do Egipto o Povo de Israel se viu encurralado, entre o poderoso exército
do Faraó e o Mar Vermelho, subitamente as suas águas abriram-se,
proporcionando-lhe a saída com destino à Lei e à Terra Prometida.
No Seder de Pessach, na ritualização de todos os acontecimentos ocorridos nesta
milagrosa saída, abrimos as nossas portas a uma figura imaginária. Tão forte é
este momento associado ao futuro messiânico na nossa memória colectiva, que nem
sequer paramos para pensar na identidade desta figura - “o que está lá fora”.
A Páscoa dos Judeus, James Tissot (1836-1902)
Abrir as portas em Pessach está relacionado com um dos sentidos mais importantes desta
celebração – o de partilhar com os outros a alegria da refeição. Todo aquele
que necessita (de corpo e de alma), que entre e que coma. É o que dizemos ao
partir a matzah, a que chamamos o “pão
da aflição e da pobreza”, já por nós experimentado. Abrir as portas e esperar (o
que o próprio folclore judaico criou como paradigma sobre “o que está lá fora”),
que o profeta Elias, o Eliyahu HaNavi, disfarçado de mendigo bata à porta. Incrível
inversão em que o mais necessitado é a chave para a salvação dos que estão
dentro. Incrível inversão, em que os de dentro percebem impossível a Redenção
sem se abrir a porta, tornando também os de dentro “necessitados”, quando
vistos pelo outro lado da porta.
Rembrandt, Homem velho de barbas, 1631
Paralelo porque por detrás da porta que abrimos está
talvez um indivíduo encurralado, sem saída, a ponto de se afogar em angústia,
mas a quem a luz que progressivamente se revela ao abrir da porta, é feito mar
que se permite atravessar.
Tal qual
molhado ficou seco num gesto de carinho, tal qual fora ficou dentro num gesto
de afecto, assim é a Redenção. ABRIR O MAR/ABRIR A PORTA são gestos similares
em que imitamos a Divindade em busca de um encontro – como D’us abriu o mar,
assim nós abrimos a porta.
Quando as águas se dividiram, James Tissot (1836-1902)
Nós que já estivemos naquela situação, olhemos
através da porta em busca do que está fora mas que é dentro, em busca dos
exilados fora do acampamento – dos pobres, dos doentes, dos deficientes, dos
perseguidos, dos que do outro lado, ao abrir-se a porta, tornando-se visíveis
os nossos rostos em volta da mesa, se revelam como sendo nós mesmos. Liberdade
que só é possível quando os de dentro relembram a estranha visão através do
outro lado da porta.
Adaptado do texto
“Abrindo o Mar, Abrindo a Porta”, do Rabino Nilton Bonder
*A tipologia PaRDeS
descreve quatro abordagens diferentes da exegese bíblica no Judaísmo rabínico:
- Psaht – o “simples significado”
de um versículo ou de uma passagem;
- Remez – “sinais” de um
significado mais profundo e não apenas o seu sentido literal;
- Drash
–
interpretação; descobrir o significado através do midrash, por comparação de palavras, de formas e de
ocorrências semelhantes noutros locais;
- Sod – o “segredo” ou o
significado místico de uma passagem, determinado através de inspiração ou
revelação.
Este artigo é mais uma
oferta da nossa,
Sónia Craveiro.
Muito obrigada
Beijinhos
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