sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O Terramoto e a Inquisição



1 de Novembro de 1755

O Terramoto e a Inquisição


Lisboa antes e depois do terramoto de 1755 (Jan Kozak Collection)


    A 1 de Novembro de 1755, Lisboa foi assolada por uma série de três violentos abalos sísmicos, seguidos de um gigantesco maremoto, a que se sucederam múltiplos incêndios. O terramoto, que se fez sentir em grande parte da costa do Algarve, foi considerado um dos mais violentos da História, destruindo quase por completo a cidade de Lisboa. Milhares de pessoas perderam a vida nos escombros da capital portuguesa.



As Ruínas de Lisboa, 1755 (Jan Kozak Collection)


    Impressionados com a catástrofe de Lisboa, o compositor alemão Georg Philipp Telemann e o filósofo francês Voltaire prestaram homenagem às vítimas do cataclismo. Telemann compôs a Cantata “Die Donner Ode” (1756), da qual vamos ouvir uma Ária de grande efeito dramático, para dois Baixos e orquestra; a interpretação está a cargo dos solistas Stephen Roberts e Michael George e do Ensemble Collegium Musicum 90, com direcção de Richard Hickox. 



G.P.Telemann – Die Donner Ode


Voltaire escreveu o “Poème sur le Désastre de Lisbonne” (1756), do qual passamos um excerto.


«Poema sobre o desastre de Lisboa»

(excerto)


Ó infelizes mortais! Ó deplorável terra!
Ó agregado horrendo que a todos os mortais encerra!
Exercício eterno que inúteis dores mártires!
Filósofos iludidos que bradais «Tudo está bem»;
Acorrei, contemplai estas ruínas malfadas,
Estes escombros, estes despojos, estas cinzas desgraçadas,
Estas mulheres, estes infantes uns nos outros amontoados
Estes membros dispersos sob estes mármores quebrados
Cem mil desafortunados que a terra devorou,
Os quais, sangrando, despedaçados e palpitantes embora,
Enterrados com seus tectos terminaram sem assistência!
Aos gritos balbuciados por suas vozes expirantes,
Ao espectáculo medonho de suas cinzas pungentes,
Direis vós: «Eis das eternas leis o cumprimento»,
Que de um Deus livre e bom requer discernimento?»
Direis vós, perante tal amontoado de vítimas:
«Deus vingou-se, a morte deles é o preço dos seus crimes?»
Que crime, que falta cometeram estes infantes
Sobre o seio materno esmagados e sangrantes?
Lisboa, que não é mais, teve ela mais vícios
Que Londres, que Paris, mergulhadas nas delícias?
Lisboa está arruinada, e dança-se em Paris.



François Marie Arouet, pseudónimo Voltaire (1694-1778)


   Por razões de ordem religiosa ou outras mais pragmáticas, foram muitas as vozes que pela Europa fora não hesitaram em associar o terramoto à Inquisição. O filósofo iluminista Voltaire, por exemplo, numa carta datada de 24 de Novembro de 1755, dirigida a M. Tronchin de Lyons, escrevia: «(…) Que dirão os pregadores – especialmente se o Palácio da Inquisição ainda ficar de pé! Agrada-me a ideia de que os reverendos padres, os da Inquisição, terão sido esmagados tal como as outras pessoas. Servirá isto para ensinar que homens não devem perseguir outros homens: porque, enquanto beatos hipócritas queimam uns quantos na fogueira, a terra abre-se e engole a todos sem distinção.» 

   No romance burlesco Candide, publicado em 1759, o filósofo francês volta a escrever sobre o terramoto e a Inquisição, nomeadamente no capítulo VI quando se refere a padres da Universidade de Coimbra, que declaram: «o espectáculo de queimar vivas umas quantas pessoas em fogo lento, e numa grande cerimónia, é um segredo infalível para prevenir que a terra trema». Voltaire conclui no final do capítulo que no mesmo dia em que se realizou o grandioso auto-de-fé, “a terra tremeria de novo com um furor implacável.” 



Auto-de-Fé no Terreiro do Paço, séc. XVIII


    Para o escritor português Francisco Xavier de Oliveira (Lisboa, 1702-Hackney, Inglaterra, 1783) – Cavaleiro de Oliveira -, exilado em Inglaterra e entretanto convertido ao Protestantismo, Deus castigara os portugueses com o terramoto, por estes terem um comportamento contrário à Santa Lei. Cavaleiro de Oliveira acusa os portugueses de uma conduta supersticiosa e idólatra, vergonhosamente manifesta no culto dos santos, que em nada se distingue do culto que os pagãos dedicam aos seus ídolos. O escritor aponta ainda outra razão que terá despoletado a ira divina: a perseguição desumana e a prática de sacrifícios horríveis, exercida pela Inquisição sobre grande parte dos portugueses, especialmente dos judeus.



Gravura britânica (Jan Kozak Collection)


  Numa perspectiva igualmente religiosa, tanto teólogos protestantes, como líderes de judeus portugueses, viam no Grande Terramoto de Lisboa um “castigo divino” como resposta aos crimes cometidos pela Inquisição. Na gravura acima, publicada em Londres em 1756, podemos observar em fundo uma Lisboa em ruínas, com o rei português D. José I, que pergunta a um sacerdote anglicano quais as causas do terramoto; este mostra-lhe uma imagem com um auto-de-fé, afirmando que «queimar pessoas provoca a ira divina».



Panfleto da congregação sefardita de Hamburgo, 1756


   No panfleto acima, de 11 de Março de 1756 (9 de Adar II de 5516), as autoridades da congregação sefardita portuguesa e espanhola de Hamburgo convocam os fiéis para um dia de “jejum geral”, para “orar e suplicar à Divina Majestade” pela memória das vítimas do terramoto de Lisboa e para pedir protecção divina para todos os filhos de Israel, em qualquer lugar e de todos os tempos, numa clara alusão às perseguições movidas contra os judeus, como as da Inquisição. 

Horden de Rogativa y Peticion, para orar y rogar, al Senhor, para tiempo de teramoto, o temblor de tierra, y segun se há oydo, la indignacion de Ds. se experimentó, em Varios lugares, y en diferentes partes, tembló la tierra, por lo que se ajuntaran los Senhores Parnassim, y con la aprovacion del Sr. HH, decretaran um ayuno general, para jueves, siendo 9 del mez de Adar segundo deste anho, para orar e suplicar ala Divina magestad, por nós y por todo Israel nuestros Hermanos los proximos y los remotos, El todo poderozo apiade sobre nós, y sobre todos os lugares de nuestras moradas, y ampare por nos, Amen. (…)



Retrato do Marquês de Pombal (detalhe), 1766, Louis Michel van Loo


     Um dos casos mais absurdos da Inquisição ocorre justamente no governo do Marquês de Pombal: o caso do padre jesuíta Malagrida, garrotado e queimado num auto-de-fé, em Lisboa, em 1761.

   O Marquês de Pombal, enquanto iluminista, naturalmente defendeu que o terramoto de 1755 se deveu a causas naturais. O padre Malagrida reclamava a catástrofe como um “castigo divino”, exortando o povo a realizar procissões e exercícios espirituais. Como se sabe, o Marquês não era simpatizante dos jesuítas, o padre Malagrida era íntimo dos Távora, que por sua vez não eram benquistos do Marquês, o Inquisidor Geral era Paulo de Carvalho e Mendonça (irmão do Marquês)...Tudo junto, levou à condenação do padre Malagrida como herege, no âmbito do processo dos Távora. Parafraseando Voltaire em Candide "(...) ao excesso de absurdo, juntou-se o excesso de horror".


E desta vez no calendário gregoriano e enviado pela nossa amiga

Sónia Craveiro
 
Muito obrigada

Beijinhos



Fontes:


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. Muito obrigada António, A Sónia e eu agradecemos o seu comentário e desejamos-lhe um excelente Shabat Shalom!

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