1 de Novembro de 1755
O Terramoto e a
Inquisição
Lisboa antes e depois do terramoto de 1755 (Jan Kozak
Collection)
A 1 de Novembro
de 1755, Lisboa foi assolada por uma série de três violentos abalos sísmicos,
seguidos de um gigantesco maremoto, a que se sucederam múltiplos incêndios. O
terramoto, que se fez sentir em grande parte da costa do Algarve, foi
considerado um dos mais violentos da História, destruindo quase por completo a
cidade de Lisboa. Milhares de pessoas perderam a vida nos escombros da capital
portuguesa.
As Ruínas de Lisboa, 1755 (Jan Kozak Collection)
Impressionados com a catástrofe de Lisboa, o compositor alemão Georg Philipp Telemann e o filósofo francês Voltaire prestaram homenagem às vítimas do cataclismo. Telemann compôs a Cantata “Die Donner Ode” (1756), da qual vamos ouvir uma Ária de grande efeito dramático, para dois Baixos e orquestra; a interpretação está a cargo dos solistas Stephen Roberts e Michael George e do Ensemble Collegium Musicum 90, com direcção de Richard Hickox.
G.P.Telemann – Die Donner Ode
Voltaire escreveu o “Poème sur le Désastre de
Lisbonne” (1756), do qual passamos um excerto.
«Poema sobre o desastre de Lisboa»
(excerto)
Ó infelizes
mortais! Ó deplorável terra!
Ó agregado
horrendo que a todos os mortais encerra!
Exercício eterno
que inúteis dores mártires!
Filósofos iludidos
que bradais «Tudo está bem»;
Acorrei,
contemplai estas ruínas malfadas,
Estes escombros,
estes despojos, estas cinzas desgraçadas,
Estas mulheres,
estes infantes uns nos outros amontoados
Estes membros
dispersos sob estes mármores quebrados
Cem mil
desafortunados que a terra devorou,
Os quais,
sangrando, despedaçados e palpitantes embora,
Enterrados com
seus tectos terminaram sem assistência!
Aos gritos
balbuciados por suas vozes expirantes,
Ao espectáculo
medonho de suas cinzas pungentes,
Direis vós: «Eis
das eternas leis o cumprimento»,
Que de um Deus
livre e bom requer discernimento?»
Direis vós,
perante tal amontoado de vítimas:
«Deus vingou-se, a
morte deles é o preço dos seus crimes?»
Que crime, que
falta cometeram estes infantes
Sobre o seio
materno esmagados e sangrantes?
Lisboa, que não é
mais, teve ela mais vícios
Que Londres, que
Paris, mergulhadas nas delícias?
Lisboa está
arruinada, e dança-se em Paris.
François Marie Arouet, pseudónimo Voltaire
(1694-1778)
Por razões de ordem religiosa ou outras mais
pragmáticas, foram muitas as vozes que pela Europa fora não hesitaram em
associar o terramoto à Inquisição. O filósofo iluminista Voltaire, por exemplo,
numa carta datada de 24 de Novembro de 1755, dirigida a M. Tronchin de Lyons, escrevia: «(…) Que dirão os pregadores –
especialmente se o Palácio da Inquisição ainda ficar de pé! Agrada-me a ideia
de que os reverendos padres, os da Inquisição, terão sido esmagados tal como as
outras pessoas. Servirá isto para ensinar que homens não devem perseguir outros
homens: porque, enquanto beatos hipócritas queimam uns quantos na fogueira, a
terra abre-se e engole a todos sem distinção.»
No romance burlesco Candide, publicado em 1759, o filósofo francês volta a escrever
sobre o terramoto e a Inquisição, nomeadamente no capítulo VI quando se refere
a padres da Universidade de Coimbra, que declaram: «o espectáculo de queimar
vivas umas quantas pessoas em fogo lento, e numa grande cerimónia, é um segredo
infalível para prevenir que a terra trema». Voltaire conclui no final do
capítulo que no mesmo dia em que se realizou o grandioso auto-de-fé, “a terra
tremeria de novo com um furor implacável.”
Auto-de-Fé no Terreiro do Paço, séc. XVIII
Para o escritor português Francisco Xavier de Oliveira
(Lisboa, 1702-Hackney, Inglaterra, 1783) – Cavaleiro de Oliveira -, exilado em
Inglaterra e entretanto convertido ao Protestantismo, Deus castigara os
portugueses com o terramoto, por estes terem um comportamento contrário à Santa
Lei. Cavaleiro de Oliveira acusa os portugueses de uma conduta supersticiosa e
idólatra, vergonhosamente manifesta no culto dos santos, que em nada se
distingue do culto que os pagãos dedicam aos seus ídolos. O escritor aponta
ainda outra razão que terá despoletado a ira divina: a perseguição desumana e a
prática de sacrifícios horríveis, exercida pela Inquisição sobre grande parte
dos portugueses, especialmente dos judeus.
Gravura britânica (Jan Kozak Collection)
Numa
perspectiva igualmente religiosa, tanto teólogos protestantes, como líderes de
judeus portugueses, viam no Grande Terramoto de Lisboa um “castigo divino” como
resposta aos crimes cometidos pela Inquisição. Na gravura acima, publicada em
Londres em 1756, podemos observar em fundo uma Lisboa em ruínas, com o rei
português D. José I, que pergunta a um sacerdote anglicano quais as causas do
terramoto; este mostra-lhe uma imagem com um auto-de-fé, afirmando que «queimar
pessoas provoca a ira divina».
Panfleto da congregação sefardita de Hamburgo,
1756
No panfleto acima, de 11 de Março de 1756 (9 de
Adar II de 5516), as autoridades da congregação sefardita portuguesa e
espanhola de Hamburgo convocam os fiéis para um dia de “jejum geral”, para
“orar e suplicar à Divina Majestade” pela memória das vítimas do terramoto de
Lisboa e para pedir protecção divina para todos os filhos de Israel, em
qualquer lugar e de todos os tempos, numa clara alusão às perseguições movidas
contra os judeus, como as da Inquisição.
“Horden de Rogativa y Peticion, para orar
y rogar, al Senhor, para tiempo de teramoto, o temblor de tierra, y segun se há
oydo, la indignacion de Ds. se experimentó, em Varios lugares, y en diferentes
partes, tembló la tierra, por lo que se ajuntaran los Senhores Parnassim, y con
la aprovacion del Sr. HH, decretaran um ayuno general, para jueves, siendo 9
del mez de Adar segundo deste anho, para orar e suplicar ala Divina magestad,
por nós y por todo Israel nuestros Hermanos los proximos y los remotos, El todo
poderozo apiade sobre nós, y sobre todos os lugares de nuestras moradas, y
ampare por nos, Amen. (…)
Retrato do Marquês de Pombal (detalhe), 1766,
Louis Michel van Loo
Um dos casos mais absurdos da Inquisição ocorre
justamente no governo do Marquês de Pombal: o caso do padre jesuíta Malagrida,
garrotado e queimado num auto-de-fé, em Lisboa, em 1761.
O Marquês de Pombal, enquanto iluminista,
naturalmente defendeu que o terramoto de 1755 se deveu a causas naturais. O
padre Malagrida reclamava a catástrofe como um “castigo divino”, exortando o
povo a realizar procissões e exercícios espirituais. Como se sabe, o Marquês
não era simpatizante dos jesuítas, o padre Malagrida era íntimo dos Távora, que
por sua vez não eram benquistos do Marquês, o Inquisidor Geral era Paulo de
Carvalho e Mendonça (irmão do Marquês)...Tudo junto, levou à condenação do
padre Malagrida como herege, no âmbito do processo dos Távora. Parafraseando
Voltaire em Candide "(...) ao
excesso de absurdo, juntou-se o excesso de horror".
E desta vez no calendário gregoriano e enviado
pela nossa amiga
Sónia Craveiro
Muito obrigada
Beijinhos
Fontes:
Gostei muito Ziva David
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarMuito obrigada António, A Sónia e eu agradecemos o seu comentário e desejamos-lhe um excelente Shabat Shalom!
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