ENTRE
A QUEDA DO IMPÉRIO E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
A
Baía de Salónica
Como já vimos, o império otomano
começou a corroer-se por dentro ao longo do século XVIII. Em finais do século
XIX começou a desmoronar-se. Salónica, conhecida por “A Jerusalém dos Balcãs”, parece
alheia a tudo isto. Edgar Morin no seu livro “Vidal e os seus” (que trata da
biografia de seu pai, um sefardita de Salónica), diz-nos que em 1852 chega ao porto
o primeiro navio a vapor; de 1877 a 1888 uma rede de caminho-de-ferro uniu
Salónica a Skopje, primeiro, depois à rede sérvia e ao Ocidente. O Expresso do Oriente passou a ligar
Londres, Paris, Viena, Belgrado, Salónica e Istambul. Em 1890 começa a
instalação de gás de cidade; em 1893, a das linhas de tramways e em 1896, a da distribuição de água potável.
Judeus
sefarditas, Salónica, 1917
Com a melhoria das condições de
vida, Salónica passa de 50000 habitantes em 1865, para 170000 em 1912. As
proporções são de 56% de sefarditas, com 12 escolas e 32 sinagogas, 20% de
turcos, 20% de gregos, 4% de búlgaros e outros.
1912,
a Grécia vence os Turcos em Salónica
Mas a Revolução dos Jovens
Turcos, a desintegração do Império Otomano e finalmente a conquista da cidade pela
Grécia, vão desagregar a pequena cidade-pátria salonicense. Em 1931, depois dos
motins antissemitas, muitos judeus emigram para a Palestina, França e Estados
Unidos da América.
Jovem
judeu detido pelas forças nazis, Salónica, 1942
(Deutsches
Bundesarchiv)
O último golpe, e o mais duro,
acontece em plena Segunda Guerra Mundial. Em 1941 a Alemanha nazi ocupa a
Grécia e posteriormente começa a deportar os judeus para campos de extermínio.
Serão assassinados cerca de 60000, sendo a maioria de Salónica. Dos 42830
judeus de Salónica, quase todos deportados para Auschwitz-Birkenau,
sobreviveram 1950. A Grécia construiu um pequeno memorial público aos judeus
gregos, 54 anos após a guerra e depois de dez anos de negociações.
Família
Touriel, 1924, Ilha de Rodes
Desde 1923 e de acordo com o
Tratado de Lausanne (que veio ratificar o de Sèvres), que a Ilha de Rodes se encontrava
sob administração italiana. Em 1936, o governador fascista Mario de Vecchi
implementou um conjunto de leis antijudaicas, chegando ao ponto de usar cem
lápides de túmulos do cemitério judaico para a construção da sua nova
residência. Em 1939, umas centenas de judeus conseguiram embarcar num navio que
fazia o transporte ilegal de judeus para a Palestina. Em 1942, o novo
governador da ilha, almirante Campione, tentou proteger os judeus, revogando
várias medidas antissemitas. No entanto, e apesar da queda de Mussolini em
1943, os alemães nazis ocuparam a ilha em 1944, iniciando a deportação da
comunidade judaica.
Tanques
nazis na Ilha de Rodes, 1944
Dois dias depois de os alemães
ocuparem a ilha, o cônsul geral da Turquia, Selahhatin Ülkϋmen, intercedeu
corajosamente pelos judeus turcos, conseguindo salvar 42. Os restantes 1676
foram deportados para Auschwitz. Sobreviveram 151.
Muito haveria ainda a dizer sobre o
trágico destino das comunidades judaicas da antiga Jugoslávia, Bulgária, ou
Roménia. Lembremos que em 1940 viviam nos países balcânicos cerca de 253 mil
judeus. Destes, 228 mil, ou seja, 90% pereceram na Shoá.
“Que
a tua lembrança seja amor -
A
História de Ovadia Baruch”
O filme “Que a tua lembrança
seja amor – A História de Ovadia Baruch” (um judeu sefardita de Salónica, que
sobreviveu a Auschwitz) faz parte do projeto “Testemunhos e Educação”, uma
produção conjunta do Instituto para o Estudo do Holocausto no Yad Vashem e o
Centro de Multimédia da Universidade Hebraica de Jerusalém. Propomos a
visualização de dois pequenos excertos deste filme:
Ovadia Baruch - No Museu Judaico e na Sinagoga em Salónica
Ovadia Baruch - Chegada a Auschwitz
“Vamos a
murir avlando nuestra lingua”
Placa em ladino,
Auschwitz-Birkenau
Em Março de 2003, no aniversário dos 60
anos da chegada dos primeiros deportados de Salónica, foi colocada uma placa em
ladino, que reza assim:
KE ESTE LUGAR, ANDE LOS
NAZIS EKSTERMINARON UN MILYON/ I MEDYO DE OMBRES, DE MUJERES I DE KRIATURAS/ LA
MAS PARTE DJUDYOS/ DE VARYOS PAYIZES DE LA EVROPA/ SEA PARA SEMPRE, PARA LA
UMANIDAD/ UN GRITO DE DEZESPERO I UNAS SINYALES.
AUSCHWITZ-BIRKENAU
1940-1945.
Os
sefarditas organizaram várias sublevações em Auschwitz. Salvador Santa Puche,
investigador do percurso dos sefarditas no Holocausto, recolheu o seguinte
testemunho de uma sobrevivente daquele campo: «Si mos van a matar a todos (…) vamos a murir avlando nuestra lingua. Es
la sola koza ke nos keda i no mos lo van a tomar!» De facto, os sefarditas
usaram a sua língua ancestral, o ladino ou judeo-espanhol, como arma de
resistência. “Arvores yoran por luvyas” é uma cantiga sefardita medieval,
transformada em hino contra os verdugos alemães. Na imagem em baixo, vemos a
cantora Flory Jagoda, cantando “Arvores yoran por luvyas”, na cerimónia da
dedicação da placa em judeo-espanhol, que teve lugar em Auschwitz em Março de
2003.
Flory Jagoda em
Auschwitz cantando “Arvores yoran por luvyas”
Lembrar a tragédia de milhões de seres
humanos vítimas de perseguições, é uma obrigação. Mas viver cada dia das nossas
vidas com a convicção de que “a terra prometida está dentro de nós”, é com
certeza uma maneira de honrar a memória daqueles que pereceram vítimas do
preconceito antissemita. Flory Jagoda é disso um exemplo.
Flory Jagoda é uma compositora e
intérprete norte-americana, que tem pautado a sua vida e carreira musical em
defesa da música sefardita e da língua da sua infância – o judeo-espanhol ou
ladino. Nasceu em Sarajevo, na Bósnia e Herzegovina, no ano de 1925. Cresceu na
pequena cidade de Vlacenice, rodeada dos avós, tios, tias, primos e primas – a
família Altaras -, uma família sefardita de tradição musical. Durante a Segunda
Guerra Mundial esteve internada num campo da ilha de Korčula, na Dalmácia. De
lá conseguiu fugir com os pais para Itália, onde conheceu Harry Jagoda, então
militar dos EUA, com quem veio a casar. Após a guerra, regressou à sua cidade
natal para saber da família. As poucas provas encontradas indicam que a família
Altaras, 42 pessoas, foi sumariamente fuzilada na quinta onde vivia.
Flory Jagoda encontrou na música um
caminho para homenagear a família que perdeu, cantando as cantigas que aprendeu
com a sua avó – Nona Luna -, e compondo outras ao estilo sefardita.
Em 2002 recebeu dois prestigiados prémios
– National Heritage Fellowship e National Endowment for the Arts -, pela
sua dedicação à música sefardita e à defesa do ladino ou judeo-espanhol.
Chanucá está a aproximar-se e bem a
propósito, propomos uma cantiga alusiva a esta festividade, da autoria de Flory
Jagoda: “Ocho Kandelikas”.
Los
Desterrados cover Flory Jagoda’s lovely Chanuhah song in their own inimitable fashion
1 - Chanukah linda
esta aki, ocho kandelas para mi,
Chanukah linda esta aki,
ocho kandelas para mi.
Refrão - Una
kandelika, dos kandelikas, tres kandelikas,
kuatro kandelikas, sinko
kandelikas,
seis kandelikas, siete
kandelikas,
ocho kandelas para mi.
2
- Muchas fiestas vo fazer, com alegrias i
plazer
Muchas fiestas vo fazer, com
alegrias i plazer
3
- Los pastelikos vo comer, com
almendrikas i la miel
Los pastelikos vo comer, com
almendrikas i la miel
Nota: link para um artigo
da revista eSefarad sobre Flory
Jagoda
Este é
o quarto e último artigo sobre o tema:
“SEFARDITAS
NO IMPÉRIO OTOMANO”
Todos
eles, como é do vosso conhecimento, foram elaborados por
Sónia
Craveiro,
a quem
desde já deixo o meus sinceros agradecimentos.
Muito
obrigada
Beijinhos
Fontes:
MORIN,
Edgar, VIDAL E OS SEUS, Instituto Piaget;
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