"Only the guilty are guilty, not their children."
Elie Wiesel
Documentário
revela os fantasmas que rondam descendentes dos nazis.
RODRIGO SALEM
DE SÃO PAULO
A ideia da brasileira Claudia Ehrlich Sobral era simples.
Tirar dois dias de descanso do seu trabalho como pesquisadora numa produtora de
documentários em Roma para assistir a um jogo do Brasil na Copa da Alemanha, em
Junho de 2006.
Mas, assim que chegou a Berlim, os seus planos mudaram
radicalmente.
"Eu senti-me muito mal. Fiquei surpresa com meus
sentimentos. Olhava para as pessoas e pensava o que os pais e os avôs delas
tinham feito durante a Segunda Guerra. Mudei a passagem e voltei logo depois do
jogo", lembra Sobral, judia descendente de segunda geração de
sobreviventes do Holocausto.
"Precisei lidar com os meus próprios fantasmas",
diz.
O oficial nazi
Arthur Wollschlaeger, condecorado pelo próprio Hitler, escondia o passado do
filho Bernd.
A maneira que ela encontrou para exorcizar essas
"assombrações" foi escrever e dirigir um filme sobre descendentes de
oficiais nazistas e a maneira como eles lidam com essa herança.
O resultado é "Os Fantasmas do Terceiro Reich", um
documentário média-metragem feito para a TV que é um dos destaques do 16º
Festival de Cinema Judaico de São Paulo, que tem início amanhã e acontece até
domingo (12/8).
O filme mostra um ponto de vista incomum sobre o legado da
Segunda Guerra.
Há, sim, uma obrigatória aula sobre o cenário de guerra
entre 1939 e 1945, mas o foco aqui repousa em três poderosos personagens: o
filho de um oficial nazi que foi viver para Israel e converteu-se ao judaísmo,
a sobrinha-neta de um dos oficiais da elite de Hitler e a neta do criador de
uma técnica de tortura praticada nos campos de concentração.
"Eu queria três pessoas com experiências diferentes.
Após 70 anos, é impressionante como o legado nazi ainda está presente na vida
das pessoas. Fiquei surpresa", conta a cineasta, que dirige seu primeiro
filme em parceria com o italiano Tommaso Valente.
Bernd
Wollschlaeger, filho de Arthur Wollschlaeger.
Essa herança maldita atingiu o trio em diferentes
proporções. Bernd Wollschlaeger, filho de um oficial condecorado por suas
incursões no comando de um tanque de guerra, descobriu que o pai fez parte do
exército nazi e revoltou-se. Foi morar em Israel, converteu-se ao judaísmo e
escreveu o livro "A Vida de um Alemão", publicado no Brasil pela editora
Imago.
Bettina
Göring, é sobrinha-neta de Hermann Göring.
Bettina Göring é a sobrinha-neta de Hermann Göring,
arquiteto da Gestapo e da "solução final aos judeus" e sucessor de
Hitler.
Um dos momentos mais impressionantes do filme mostra uma
entrevista de Hermann Göring, que suicidou-se às vésperas de sua execução, em
1946, dizendo:
"Hereditariedade é mais importante que o ambiente. Crianças
podem lembrar mais seus avós que os próprios pais".
Ela e o irmão, não retratado no documentário fizeram
operações para não terem filhos. "Eles cortaram a linha de sangue",
ressalta Claudia.
Wilhlem Boger
A terceira personagem, Ursula Böger, é a mais abalada. Ela
sempre soube que seu avô esteve em Auschwitz, mas descobriu adulta que ele foi responsável
por uma versão mais cruel do "pau de arara", chamada de "Tortura
Boger".
"Ursula foi a mais difícil de entrevistar. A família
dela era contra, não conversa sobre o assunto e foi a única que não cedeu
fotos. Fiz várias viagens para convencê-la a falar", conta Sobral, que
entrevista ainda Samson Munn, um parente de vítimas do Holocausto que organiza
encontros anuais com o "outro lado".
"Queria mostrar que esse conflito não é nosso. Nós não
somos vítimas e eles não são vilões", diz a cineasta, que, depois do
filme, conseguiu voltar a Berlim com outro sentimento: "Foi
tranquilo".
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