Abd-al-Rahmán
III
TRÊS
CULTURAS
JUDEUS,
CRISTÃOS E MUÇULMANOS EM SEFARAD
Em 929, Abd-al-Rahmán III
assumiu o título de Califa de Córdova, rejeitando a submissão à corte de
Bagdade. Neste período, Córdova converteu-se numa das cidades mais civilizadas
da Europa do seu tempo, e foi lá que se realizou o renascimento dos Judeus nas
Ciências e Humanidades.
A convivência inter-religiosa que se
respirava em Córdova, permitiu um florescimento da ciência e cultura judaicas,
nunca antes visto. Os guenoim (sábios
judeus da Babilónia) começaram a manter correspondência com os rabinos e sábios
dos centros espanhóis, como Lucena (perto de Córdova) e Barcelona.
Os judeus de Al-Andaluz, pela primeira
vez, tiveram acesso a saberes que os impulsionaram a escrever sobre ciência,
gramática e filosofia. Escreveram poesia sem finalidade religiosa, pela beleza
da expressão linguística e para entretenimento dos sentidos, e fizeram renascer
o hebraico como língua literária.
A
corte de Abd-al-Rahmán III, Dionísio Baixeras Veraguer
Hasday ben Shaprut (910-970),
médico da corte, foi considerado príncipe (nasí) pelas comunidades judaicas,
dedicando-se a elevar o seu nível cultural. Convidou para Córdova os primeiros
poetas e pioneiros no estudo da gramática hebraica; tal foi o caso de Dunash
ben Labrat (Fez, 920-Córdova, 990), objeto de um artigo publicado neste blog a
24 de Abril do corrente ano.
Dunash ben Labrat, graças ao seu
conhecimento da poesia árabe, introduziu na nova poesia hebraica a métrica
árabe, bem como temas profanos e novos temas religiosos. É dele o famoso poema
litúrgico de Shabat “Dror Yikrá” (“Proclamará
a Liberdade”). A canção que vamos ouvir, atualmente muito popular em Israel,
faz parte do acervo dos judeus iemenitas que, desde o tempo em que Maimónides
habitou em terras egípcias no seu desterro, motivado pela intolerância dos
almóadas que governavam Sefarad, adotaram como sua a poesia dos grandes autores
judeus-espanhóis.
Dror Yikra דרור יקרא - Yémen
Shlomo Bar
& Habrera Hativiit- Deror Yikra (Concerto ao vivo)
Wallada
Bint Al-Mustafki
Modelo
de mulher andaluza no exercício da sua liberdade
Wallada
(Córdova, 994-1077), filha do Califa Muhammad III al-Mustakfí, foi uma princesa
culta e brilhante, e poetisa de grande qualidade. A sua fama mítica deve-se a
uma história de amor com o poeta Ibn Zaydún (Córdova, 1003-1071). Ela foi a sua
inspiração para os versos mais formosos da poesia hispano-árabe medieval, do chamado
período de Al-Andaluz.
Wallada manifestou uma liberdade de
comportamento que escandalizou uma sociedade que colocava a mulher em segundo
plano. No entanto, a sua cultura atraiu os escritores e poetas mais relevantes
do momento em busca da sua companhia, inteligência e nobreza de caráter. Como
uma divisa da sua independência e sentido de liberdade, sobre o ombro direito
da sua túnica levava escrito este emblemático verso:
Estoy hecha, por Dios, para la gloria, Y camino, orgullosa, por mi
próprio caminho
(Estou destinada, por Deus, à glória, E sigo o meu caminho com orgulho.)
Sobre o esquerdo:
Doy poder a mi amante sobre mi mejilla, Y mis bejos ofrezco a quien los
desea
(Deixo que o meu amante me toque a face, e ofereço os meus beijos a quem
os desejar)
Neste
exemplo, como no seguinte, ambos parte de projetos do musicólogo Eduardo
Paniagua, foi utilizada a técnica chamada “contrafacta”, muito usada em Al-Andaluz
e de uma forma geral na Idade Média, e que consiste em adaptar poemas a
melodias já existentes. O poema “Estoy hecha para la Gloria” da princesa
Wallada, foi adaptado a uma melodia andaluza da sua época, conservada na
tradição oral andaluza de Marrocos.
“Mi el nistár mipanái”
(“Quem
é o Deus aos meus olhos velado”)
“Mi el nistár mipanái” é um texto de
Moshé ben Ezra (Granada, c. 1055-1135), filósofo, linguista e poeta judeu, que
teve grande impacto na poesia, tanto árabe como judaica, de Al-Andaluz. O poema
foi adaptado à canção 375 do rei cristão Afonso X, o Sábio (1221-1284),
seguindo a estrutura particular do poema em forma de lição, com perguntas às
quais se dá sempre a mesma resposta:
Quem é o Deus a meus olhos
velado, revelado à minha razão,
Quem é Deus senão o Eterno.
Este
artigo é o resultado de uma pesquisa feita inteiramente pela minha querida
amiga,
Sónia
Craveiro,
A
quem desde já e mais uma vez agradeço imenso o trabalho e o carinho.
Fontes:
Maimónides, Edad de Oro de Sefarad en
Al-Andaluz, Eduardo Paniagua, Jorge Rozemblum; Wallada - Ibn Zaydún, Una historia de amor y poesia, Eduardo
Paniagua, El Arabi Ensemble
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