Um
código decifrado
As canções da Bíblia, bem como
outros textos bíblicos, foram escritos visando uma interpretação lírica da voz
humana. Mas durante séculos não foi possível cantá-los na forma original,
pensando-se que a sua música se tinha perdido.
Em 1976 a musicóloga francesa
Suzanne Haïk-Vantoura (1912-2000) publicou um livro e um LP – La
Musique de la Bible révelée -, demonstrando a sua tese de decifração do
significado das várias componentes do texto massorético1.
Haïk-Vantoura, profunda conhecedora da
língua hebraica, do texto bíblico e, naturalmente, com uma formação musical
exigentíssima, determinou, após um trabalho de investigação que durou quase
cinco anos, que os acentos (te’amim)
do texto massorético são, simultaneamente, musicais e exegéticos.
Os acentos (te’amim) definem a melodia da Escritura
a ser cantada na leitura pública; definem, igualmente, a acentuação silábica da
leitura (estes dois aspetos, melodia e rimo, são musicais). Mas também mostram a forma como as palavras se devem
ligar entre si, conforme se encontrem no final dos versos ou das frases, ou no
interior das mesmas (este aspeto é exegético).
Com efeito, a acentuação mais não é do que uma inflexão natural da voz, seguindo
regras de pontuação e fraseamento - «E
falou Moisés, na presença de toda a congregação de Israel, as palavras deste cântico (canção-falada, cantilena ou cantilação)
até se acabarem» (Deut. 31:30); David escreveu: «Teus estatutos têm sido a
inspiração de meus cânticos (zemirot, canções acompanhadas por harpa
ou lira) por onde quer que eu peregrine» (Salmo 119:54).
INSTRUMENTOS
MUSICAIS E SUAS TÉCNICAS
A redescoberta dos sistemas melódicos
da Antiguidade permitiu compreender não só a afinação de instrumentos como a
lira ou a harpa, bem como outras técnicas instrumentais.
Lira
,
harpa, trompetes de prata, sinos de ouro, shofar e tamborim de pele.
A
MÚSICA LITÚRGICA NO TEMPLO E NA SINAGOGA
A redescoberta do sistema
melódico confirma a existência de dois níveis de música litúrgica no antigo
Israel, particularmente no período do Segundo Templo2: no Templo a música era de nível profissional e na
sinagoga era mais de raiz popular, ou uma combinação dos dois sistemas.
Peregrinos que se deslocavam ao Templo, ouviam, lembravam e conseguiam usar
fragmentos da música que tinham ouvido, nas suas sinagogas locais, o mesmo
acontecendo com os cristãos primitivos.
RECEÇÃO DA TESE DE HAÏK-VANTOURA
Quando Haïk-Vantoura
apresentou a sua tese em língua francesa, o livro incluía uma longa lista de
especialistas de renome, em França e Israel: músicos, compositores,
musicólogos, e até académicos da área de investigação de textos hebraicos e
massoréticos. A edição de 1978 recebeu o Prémio Bernier, o mais alto galardão
do Instituto de França. Uma das mais notáveis personalidades a aprovar o
trabalho de Haïk-Vantoura, com uma competência reconhecida na área da Tradição
Judaica, foi o então Rabino-mor de França, Jacob Kaplan. No entanto, a Comunidade
Rabínica, tanto na Europa como em
Israel, recebeu o trabalho de Haïk-Vantoura com grandes reservas. Já nos EUA,
tanto a comunidade académica, como as comunidades judaica e cristã, mostraram
entusiasmo pela obra.
CONCLUSÃO
Reconstruir a “Música da
Bíblia” é uma tarefa de tal forma grandiosa, tão complexa, que exige mais
investigação. Todavia, as evidências apresentadas são consistentes com a
seguinte conclusão: “A Bíblia Hebraica” (Tanakh)
foi criada, pensada e transmitida na forma especializada de “arte cantada”. Foi
escrita não por simples autores literários, mas por inspirados
poetas-compositores, que utilizaram princípios universais de composição musical
com um objetivo específico, numa cultura específica.
The Music of the Bible Revealed - Números 6:22-27
(Bênção Sacerdotal – Bircat Cohanim)
1Texto
massorético – Texto hebraico da Bíblia, utilizado para a Tanakh (Bíblia Hebraica) no Judaísmo moderno, e também como fonte
de tradução para o Antigo Testamento da Bíblia Cristã (tanto protestante como
católica);
2
Segundo Templo – O Segundo Templo, foi o templo que o povo judeu construiu em
Jerusalém, finda a Catividade na Babilónia, no mesmo local onde existira antes
o Templo de Salomão. Foi o centro de culto do Judaísmo entre 515 a.e.c. e 70 da
e.c., ano em que foi quase totalmente destruído pelas tropas do General, e
futuro Imperador Romano, Tito Flávio.
Este artigo foi mais uma preciosa pesquisa
da minha querida amiga
Sónia Craveiro.
Dizer-lhe simplesmente obrigada é sempre pouco.
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