A cidade ucraniana
foi no passado uma metrópole cultural. Os artistas judeus, que escreviam em sua
língua materna – o alemão – estão mortos, mas sua herança é mais presente do
que nunca.
Nora Gomringer é uma espécie de
estrela entre os poetas alemães, adepta da slam poetry e premiada diversas
vezes. "Num autocarro parecido com aqueles que eu usava antigamente para
ir à escola", constata Gomringer, tão admirada quanto feliz ao percorrer
as ruas de Chernivtsi.
Nora Gomringer no cemitério
judaico de Chernivtsi
Gomringer foi uma entre os
nomes convidados para o Festival de Literatura Meridiano de Chernivtsi, que
reúne escritores, artistas e jornalistas da Europa, América do Norte e Israel –
todos em busca dos rastros da cultura judaica. De autocarro, eles seguem para
uma visita ao cemitério judaico da cidade.
Grandes poetas
Paul Celan, nascido em
Chernivtsi no ano de 1920, é considerado um dos maiores poetas de língua alemã
de todos os tempos. Ele sobreviveu ao Holocausto, embora tenha permanecido
altamente traumatizado e nunca superado o que passou. Em 1970, suicidou-se em
Paris. Já a poeta Selma Meerbaum-Eisinger, muitas vezes chamada "a Anne
Frank da Bucovina", morreu no campo de Michailovska, em consequência de
febre tifóide, aos 18 anos de idade.
As irmãs Irene e Helene
Silberblatt viajaram a Chernivtsi. Norte-americanas, bisnetas de um judeu
natural de Chernivtsi, elas vivem no estado de Novo México, nos EUA.
"Tanto Paul Celan quanto Selma Meerbaum-Eisinger eram nossos
parentes", contam as irmãs, que buscam no cemitério da cidade o túmulo do
bisavô. "Ele está enterrado aqui em algum lugar. Em 2004, quando viemos
pela primeira vez a Chernivtsi, alguém nos ajudou a encontrar seu túmulo",
contam as duas.
Naquele ano, Irene e Helene
Silberblatt tinham sido convidadas para a inauguração de uma placa em homenagem
à poetisa Selma Meerbaum-Eisinger, colocada na parede da casa onde ela viveu.
"Em Chernivtsi, pouco ou
nada se sabia a respeito da herança cultural judaico-alemã, mas o Festival de
Literatura mudou claramente essa situação", contam as irmãs. Elas pretendem
divulgar os poemas de Selma nos países de língua inglesa. Para isso, já
mandaram traduzir a obra da poetisa e publicaram um volume de poesia com os
trabalhos da autora.
Paralelos entre escritores
Nora Gomringer relata que mantém há muito uma proximidade com a obra de Selma Eisinger.
"Quando penso a respeito, me lembro que me deparei pela primeira vez com o volume de poesia Ich bin in Sehnsucht eingehüllt (Estou envolta em saudades) no ano de 2001", conta Gomringer.
Segundo ela, Selma representa a força e a esperança com as quais uma pessoa jovem vê o futuro. E mostra também como a então jovem poeta acabou perdendo tudo de maneira tão trágica.
50 mil túmulos no cemitério
judaico de Chernivtsi
Nora Gomringer vê na figura de
Selma Meerbaum-Eisinger semelhanças com sua própria biografia. Enquanto
Gomringer começou a escrever aos 16 anos, Meerbaum-Eisinger iniciou-se nas
letras aos 15. "Há aí paralelos: o peso, o incondicional do sentimento,
tudo isso está dentro desses textos", descreve Gomringer. A escritora acha
especialmente trágico o último registo no álbum com os poemas de Selma:
"'Não tive tempo de escrever até o fim...”
Sempre achei isso, o mais tocante e o mais duro.
Selma Meerbaum-Eisinger foi
deportada para o campo de Michailovska num domingo de junho de 1942. Antes
disso, ela conseguiu passar para uma amiga o álbum com seus 57 poemas.
Hoje vivem em Chernivtsi
aproximadamente 3 mil judeus, estima o rabino Mendel Glizenstein. Ele veio de
Eilat, Israel e mora há quase nove anos na cidade, onde tenta reativar a
comunidade judaica.
O rabino Mendel Glizenstein
"Preservamos as tradições,
criamos jardins-de-infância, escolas integrais, clubes de estudantes, aulas de
Torá para qualquer idade. O mais importante é as pessoas não terem mais medo de
praticar a fé judaica", diz Glizenstein.
Dos judeus que vivenciaram a
Segunda Guerra e ainda moram na cidade resta pouco mais de uma dezena de
pessoas. E um número menor ainda quando se trata daqueles cuja língua materna é
o alemão. Um deles é Max Schickler, nascido em 1919. Schickler gosta de falar
sobre os velhos tempos, quando se ouvia alemão a cada esquina em Chernivtsi.
"Aqui havia 57 mil judeus e 25 mil alemães. Eles viviam no subúrbio Rosch.
Mas também pessoas de outras nacionalidades falavam alemão", recorda
Schickler.
No entanto, essas pessoas eram
vistas pela administração romena como uma pedra no sapato, pois depois da
Primeira Guerra Mundial Chernivtsi tornou-se romena.
"Mas os romenos não
conseguiram 'romenizar' a cidade. Chernivtsi continuou um lugar de língua
alemã", afirma Max Schickler num alemão preciso e sóbrio que às vezes as
suas palavras chegam a soar lacónico.
Depois da guerra, só restava na
cidade a metade do número de judeus. A outra metade morreu ou emigrou. Por
outro lado, judeus de todas as partes da Ucrânia migraram para Chernivtsi, uma
cidade cujo nome atraía essas pessoas de forma quase mágica. Porém, os novos
moradores judeus da cidade, recém-imigrados, não falavam alemão. Apesar disso,
alguns colegas antigos de Schickler ficaram, com os quais ele sempre conversava
sobre a velha Chernivtsi, sobre Paul Celan, que frequentou a mesma escola que
ele, bem como sobre Rose Ausländer e outros poetas.
Chernivtsi sempre presente
Nos áureos tempos, quando a
Bucovina era parte do Império Austro-Húngaro, a rua principal de Chernivtsi, de
nome Olga Kobylanska, tinha grandes semelhanças com a nobre Herrengasse de Viena.
Num palácio antigo, Nora Gomringer fez uma leitura de uma das suas obras. Ela
visitou Chernivtsi pela primeira vez, a convite do Instituto Goethe. Mas em
pensamento, conta a escritora ao público presente, ela já esteve muitas vezes
na cidade, sempre em busca dos rastros dos poetas nascidos ali: Paul Celan,
Rose Ausländer e Selma Meerbaum-Eisinger.
"Já que sempre escrevi
muito sobre a Shoá, me pedem com frequência, na Alemanha, para falar aos jovens
sobre o assunto. Por isso redigi três textos, que foram usados numa série
escolar didática no país", conta Gomringer. Um desses textos leva o título de Monólogo e é
dedicado a Selma Meerbaum-Eisinger, diz a escritora.
"Chernivtsi é um
meridiano"
O Festival de Literatura
Meridiano de Chernivtsi aconteceu pela primeira vez há dois anos, relata Irene
Silberblatt. "Foi fascinante. Paul Celan escreveu que Chernivtsi seria um
meridiano: algo imaterial, que liga as pessoas de todo o mundo. Só ontem que
pensei como isso é de fato verdadeiro", diz.
O escritor Paul Celan
Na porta da casa onde há uma
fotografia e uma placa em homenagem a Selma Meerbaum-Eisinger, Irene
Silberblatt questiona o que teria sido da escritora caso não tivessem tirado
sua vida tão cedo: "Tenho certeza de que ela seria hoje uma pessoa
generosa, afetuosa, passional e compreensiva. Ela nunca teve medo de se opor à
injustiça".
Placa em homenagem a Selma
Meerbaum-Eisinger
Abordagem pela arte
Ao fim da viagem a Chernivtsi,
Nora Gomringer leva para casa de volta a constatação de que a poesia e
sobretudo os poemas de Selma Meerbaum-Eisinger abrem novas abordagens para
tratar do tema do Holocausto. "Através da Selma temos a oportunidade de
não nos aproximarmos da shoá de maneira documental, mas sim pela arte. É uma
forma de abordagem totalmente diferente, que nos permite uma aproximação muito
mais pessoal. E neste sentido percebe-se também que a poesia pode ser muito
política", resume a escritora.
Autora: Birgit Görtz (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer
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