sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Preparando e discutindo a Parsha!



Shabat Shalom!

Pintura de Mike Katz

Cartas de Lisboa | Lech Lecha




Lech Lecha



A história do povo judeu começa com a nossa Parsha Lech Lecha. Entre as muitas conversas entre D-us e Abraão, reside o curso do futuro do nosso património como povo.


Numa dessas conversas, o verso começa com a seguinte introdução:

"Depois destes acontecimentos, a palavra de D-us chegou a Abraão numa visão." 
(Bereishit 15: 1)


No Tzror Hamor, o rabino Avraham Saba, questiona a escolha das palavras neste verso. "Porque é que neste caso a conversa é descrita como uma visão, algo que não encontramos  noutros diálogos?"

Diz, o Tzror Hamor, que para a palavra "visão", em hebraico, "Machaze," conota uma forma menos elevada de revelação. Em vez de uma profecia ou comunicação expansiva, a "visão" no nosso versículo é mais suave do que as outras interacções.




A razão para este facto, explica ele, é que é esta a conversa, onde também D-us transmite a Abraão os Seus planos para o exílio dos seus descendentes.

Embora parte de um plano mais geral para o povo judeu, a situação é semelhante à de um pai magoado pelo facto das condições dos seus filhos não serem como deveriam ser.

Na verdade, de acordo com o Tzror Hamor, esta é também uma garantia de D-us para Abraão: "Não temas ... Eu sou um escudo para ti"




Enquanto outros comentaristas se esforçam para entender qual é o medo que aqui está a ser dissipado (Abraão estava então no auge de seu sucesso militar), o Tzror Hamor entende isto como uma referência ao povo judeu no futuro.


A mensagem de D-us para Abraão, é então, tal como para nós e agora:

"Não temas ... Eu sou um escudo para ti."

D-us está connosco, muito consciente das nossas condições, onde quer que estejamos.


Shabat Shalom!
Cortesia do Rabino


Eli Rosenfeld
chabadportugal.com



Imagens:

Albert Eckout - Pintor e botânico holandês (1610-1665)
Promessa de Deus a Abraão (xilogravura de Julius Schnorr von Carolsfeld de 1860 Bíblia em imagens)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Judeus na China | Parte II




Os Judeus de Harbin



Mapa satírico da Europa, Fred W. Rose, 1899



     Neste mapa satírico da Europa Imperial, o caricacturista Fred W. Rose usa a metáfora da pesca para ilustrar quais os países que estão a pescar e o que pretendem capturar (possessões coloniais). Em grande plano está Nicolau II, da dinastia Romanov, que seria o último czar da Rússia.

     O império da Rússia era um colosso com 22 milhões de quilómetros quadrados, uma população de 120 milhões e um exército permanente de mais de um milhão de homens. Cobrindo quase um sexto da superfície mundial, era uma massa que se estendia continuamente e que já tinha absorvido a Crimeia, grande parte da Polónia, a Finlândia, o território centro-asiático que envolvia a Mongólia e toda a Sibéria até ao Pacífico. 




Nicolau II e Alexandra Feodorovna em trajes imperiais, 1896



     A família Romanov governava a Rússia desde 1613 e gostava de considerar o seu império como um enorme Estado feudal, em que tudo derivava deles. De facto, a partir da década de 1880, desde a Polónia à Finlândia até à Transcaucásia muçulmana, foi levada a cabo uma política feroz de russificação. Os idiomas locais foram ilegalizados; os crentes não ortodoxos, como católicos, protestantes ou muçulmanos, foram discriminados, e os judeus, considerados literalmente «assassinos de Cristo», foram rancorosamente perseguidos: excluídos do sistema educativo, expulsos de suas casas e sujeitos a massacres brutais.

     Já no século XX, entre 1907-1915, o aristocrata russo Sergey Prokudin-Gorskii, com as suas fotografias coloridas (graças a uma técnica fotográfica que o próprio desenvolveu), dá-nos uma imagem quase idílica da Rússia e das suas gentes. 




Camponeses russos, Sergey Gorskii



Mulheres e crianças na colheita do chá, Geórgia, Sergey Gorskii



Vendedores de fruta, Samarkand, Uzbequistão, Sergey Gorskii



Rapazes judeus com o seu professor, Samarkand, Sergey Gorskii



    Nos finais do século XIX os judeus da Rússia czarista, desesperados para escapar à pobreza e aos pogroms, experimentavam as maiores dificuldades na obtenção de autorizações para viajar, dentro ou fora do império. Mas em 1896 surge uma oportunidade para fugir a esta conjuntura de anti-semitismo: a Rússia tinha conseguido uma concessão do governo chinês para alargar a linha ferroviária transiberiana através da Manchúria, a vasta província do norte da China que penetrava profundamente na Sibéria. Como tal precisava de um contingente humano que assegurasse os seus interesses, uma tarefa nada fácil devido ao clima extremamente rigoroso da região. 




Mapa da linha ferroviária da Manchúria até Pogranichaya, 1903-1919



     Assim, o czar Nicolau ofereceu aos judeus a possibilidade de se libertarem das suas restrições, se aceitassem mudar-se para a Manchúria. Podiam escolher entre pequenas povoações no interior daquela província ou Harbin, uma modesta vila piscatória.

     Os primeiros judeus chegaram a Harbin em 1899. Em finais de 1902 o número tinha aumentado para 300, sendo que pelo menos 10 já eram donos das suas lojas. O caminho-de-ferro trouxe prosperidade a Harbin, que em poucos anos se transformaria numa capital moderna. Os harbintsi, como gostavam de ser chamados, contribuíram entusiasticamente para esta transformação; libertos da opressão em que viviam na Rússia, deram largas à sua criatividade. Melhor, os nativos chineses não tinham qualquer tradição anti-semita. 




Nesta fotografia, com uma paisagem chinesa em fundo e dois rapazes chineses sentados à frente, um médico judeu e um militar apresentam as suas credenciais. Aceitam trabalho em São Francisco (Califórnia), ou em Harbin, na Manchúria. O texto nas costas da fotografia está em russo e é datado de 1905.




Refugiados russos no Transiberiano, 1918



    Na Rússia, vagas de pogroms continuaram a providenciar o reforço da população judia de Harbin. Juntaram-se-lhe soldados judeus desmobilizados da Guerra Russo/Japonesa de 1904-1905 (pela posse da Crimeia e da Manchúria) e, posteriormente, refugiados russos (tanto judeus como gentios) da I Guerra Mundial e da Revolução Bolchevique. 




Sinagoga Main ou Sinagoga Velha, Harbin, 1909



    Das várias instituições que os judeus fundaram em Harbin, podemos citar duas sinagogas – a Sinagoga Main ou Sinagoga Velha e a Sinagoga Nova, uma Biblioteca, uma *Talmude Torá, duas escolas, uma primária e uma secundária, um cemitério, a Associação de Mulheres Judias de Harbin, ligada à *WIZO, uma Cozinha Económica, um lar para idosos e um hospital, que recebia a população em geral.

     Em Harbin os judeus gozavam de direitos de cidadania, que lhes eram negados na Rússia. Estes direitos mantiveram-se quando os sovietes subiram ao poder. 




Loja Popular Slutzky, Harbin, 1925



     Entre 1918 e 1930 a comunidade judia de Harbin publicava cerca de 20 jornais e periódicos, todos em russo, à excepção do jornal Der Vayter Mizrekh (O Extremo Oriente), em yiddish. O russo era a língua franca, usada por judeus e gentios, incluindo os seus empregados chineses e respectivos associados. Os harbintsi dinamizavam uma série de movimentos políticos, religiosos e laicos, pró-sionistas e anti-sionistas; mantinham uma gama alargada de profissões: eram comerciantes, pasteleiros, marceneiros, operários, engenheiros, arquitectos, professores, artistas, empresários…





     O professor de piano David Gutman com alunos



     O contributo dos judeus foi igualmente importante para a fundação e dinamização de outras instituições como uma Escola de Comércio, uma Orquestra Sinfónica e uma Escola de Música, o primeiro Conservatório da Manchúria.




Turma da Escola de Comércio em Harbin, 1925



     Após a Revolução Bolchevique refugiaram-se em Harbin muitos Russos Brancos, que levaram consigo um anti-semitismo virulento. Em 1931 formaram o Partido Fascista Russo de Harbin, o mesmo ano em que o Japão invadiu o Norte da China e a Manchúria. 




Exército Imperial de Manchukuo, 1932-1945



     Os japoneses criaram um Estado fantoche denominado Manchukuo e colocaram no trono o último imperador da China, Pu-Yi. Os cerca de 40 milhões de chineses da região, maioritariamente camponeses, foram transformados em mão de obra escrava e as suas terras entregues a imigrantes japoneses.

     Em 1932 as tropas japonesas ocuparam Harbin, integrando-a no Estado Manchukuo. Os japoneses começaram imediatamente a expropriar propriedade privada e a aterrorizar a população civil. Recrutaram espiões entre a escória local e permitiram aos fascistas russos que espalhassem campanhas difamatórias anti-soviéticas e anti-judaicas. Residentes estrangeiros, mas também chineses foram raptados, torturados e, por vezes, assassinados. Como resultado, a maior parte da população judia de Harbin (13 000 dos cerca de 20 000 residentes) fugiu para Xangai e Tianjin; muitos fizeram aliyah para a Palestina/Israel.




Soldados soviéticos sentados no trono de Pu-Yi, o último imperador chinês,
Setembro de 1945



    Nos finais da II Guerra Mundial, quando o Exército Vermelho entrou triunfante em Harbin, restavam cerca de 2 000 judeus na cidade para saudar os vencedores. Entre 1945 e 1947, as autoridades soviéticas prenderam arbitrariamente numerosos judeus e “repatriaram-nos” para gulags na Rússia. Em 1949 Harbin passou a fazer parte da República Popular da China; cerca de 1 000 judeus fizeram aliyah para o recém-formado Estado de Israel. Em 1955 restavam apenas 319 judeus em Harbin e em 1982 a comunidade judaica estava reduzida a uma idosa, Anna Agre, que guardava vários arquivos comunitários debaixo da cama. Morreu em 1985. 




Arquitectura europeia, Av. Zhongyang Diaje, Harbin



     Nos anos mais recentes o Governo da China reconheceu oficialmente a importância da antiga Comunidade Judaica de Harbin, promovendo o turismo e estabelecendo acordos económicos com diversos países, incluindo Israel. Os edifícios de características arquitectónicas europeias, construídos no “período russo”, foram identificados com placas em diversos idiomas. Muitos deles, como o Hotel Moderne, eram propriedade de judeus. 




Hotel Moderne, 1930



Hotel Moderne na actualidade



     As duas sinagogas foram recuperadas: a Sinagoga Main, onde funciona um hotel “no star” (Kazi Hostel), e a Sinagoga Nova, que alberga o Museu de História e da Cultura Judaica de Harbin. 




Sinagoga Velha ou Sinagoga Main restaurada



Entrada para o Kazi Hostel – Sinagoga Main



Nova Sinagoga – Museu Judaico de Harbin



Museu Judaico de Harbin - exposição permanente



Huangshan Jewish Cemetery



     Em 1952, cerca de 600 campas do cemitério judeu original foram transladadas para o novo cemitério, o Huangshan Jewish Cemetery. Todos os anos muitos descendentes de Judeus de Harbin visitam as campas dos seus familiares. 




Duas crianças, uma chinesa e um israelita, tocam piano juntos numa Master Class para jovens pianistas de talento excepcional, no Centro de Música de Jerusalém



     Em 2002 a Universidade de Heilongjiang, faculdade de Estudos Ocidentais, em Harbin, fundou o Sino-Israel Research and Study Center, que é dirigido desde então pelo Professor israelita Dan Ben-Canaan. A parceria entre a China, o país mais populoso do mundo, e Israel é cada vez mais estreita, desenvolvendo-se nas áreas tecnológica, industrial, académica, da medicina e das artes.

     Antigos membros da Comunidade Judaica de Harbin e seus descendentes, hoje espalhados pelo mundo, mantêm contacto entre si. Cultivam, igualmente, um respeito profundo pelo povo chinês, que sempre acolheu os judeus sem a menor sombra de preconceito. 


*Talmude Torá – escola judaica elementar para estudo da Língua Hebraica, da Torá e do Talmude, destinada a alunos com poucos recursos.

*WIZO – – Women’s International Zionist Organization




Este artigo é a continuação do trabalho da,

Sónia Craveiro


Muito obrigada
Beijinhos J



Fontes:


domingo, 26 de outubro de 2014

Casa da Cultura dos Olivais | Diálogos Inter-Religiosos




A Junta de Freguesia de Olivais através da sua Casa da Cultura em parceria com a Associação Cultural General Gomes Freire de Andrade, lançou este mês, o ciclo: 

“Diálogos inter-religiosos”, que será constituído por várias conferências, dedicadas a diversas comunidades religiosas.




Tem como principal objectivo, dar a conhecer um pouco de cada religião, da sua história, cultura e gastronomia. Um dos focos é também sensibilizar o público para a diversidade religiosa e cultura do nosso país.


Casa da Cultura dos Olivais
Rua Conselheiro Mariano de Carvalho, 67 - 68
(Olivais Velho) 
Telefone 218 533 527

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Mulher no Judaísmo!


Shabat Shalom!

Pintura de Nataly Grossman



Cartas de Lisboa | Noah


A Arca de Noé!



Em que dia da semana é que Noé entrou na arca?



À primeira vista, esta parte da informação parece estar omissa na narrativa. No entanto, no Tzror Hamor, o Rabino Avraham Saba faz questão de focar este detalhe. 

O versículo diz-nos: 

- "Neste mesmo dia, Noé veio... para dentro Arca" (Bereshit 7:13)

A palavra específica "mesmo" (em hebraico B'etzem) diz o Tzror Hamor, é uma alusão ao dia da semana. Alude ao epítome do "dia" - o momento mais forte da energia do sol.





Na parashá Bereshit, a criação do sol foi no quarto dia ao meio-dia. Este, diz o Rabino Saba, é o momento em questão. Noé entrou na arca ao meio-dia de quarta-feira, o "mesmo" dia e momento em que o sol começou a sua órbita. 

Além de ser uma curiosidade, o momento específico tem paralelo na Halachá, uma decisão na lei judaica referente a viagens. 




Ao embarcar num navio, o Talmude diz-nos que isso deve ser feito três dias antes do Shabat. A razão para tal é que ao terceiro dia a pessoa já estaria acostumada ao movimento do navio, e o Shabat poderia ser assim devidamente disfrutado. 




O Tzror Hamor continua dizendo, que isso foi o que Noé fez. Ao entrar na arca três dias antes de Shabat, poderia assim garantir que o Shabat permaneceria um dia especial.

Muitas vezes o Shabat apanha-nos desprevenidos. Durante a semana de trabalho a nossa atenção e foco estão dispersas em muitos lugares. 

Talvez seja isto que este pequeno detalhe da história está aí para nos lembrar: 


“Para o Shabat ser observado correctamente, ele tem de estar sempre presente nas nossas mentes.”


Shabat Shalom!
Cortesia do Rabino


Eli Rosenfeld
chabadportugal.com





Fontes das imagens:
Rosenstein Painting