O Primeiro Rabino nas Américas
Isaac Aboab da Fonseca – Gravura de Aernout Nagtegaal, 1685.
Da Conversão Forçada à Inquisição
Depois do Édito de Expulsão de 1496, D. Manuel I, numa tentativa de evitar a saída dos judeus (dado o seu papel na economia e no conhecimento científico), fez promulgar em 1497 o Decreto de Conversão, impondo o baptismo a todos os judeus do Reino. Contas feitas: os judeus ficavam, mas deixavam de ser judeus, passando, oficialmente, a ser cristãos. Surgiram assim os cristãos-novos em Portugal.
Esta conversão forçada fez com que os judeus, privados da sua identidade religiosa, tivessem dificuldade em aceitar uma religião que lhes era estranha.
Muitos não conseguiram e assim continuaram a praticar o Judaísmo em segredo. Sobre os recém-convertidos pairou a partir de então uma suspeita generalizada de heresia, pretexto de peso para instaurar o Tribunal do Santo Ofício, o que veio a verificar-se no ano de 1536.
Vítimas preferenciais da Inquisição, os cristãos-novos, cripto-judeus ou não, temiam pela vida. Os que podiam esperavam pelo momento oportuno para fugir do país. Muitos encontraram refúgio na Holanda, onde retornaram à sua fé ancestral; mantendo uma identidade judaico-portuguesa, contribuíram para o engrandecimento do seu país de residência. Uma das figuras de maior relevo da comunidade sefardita de Amesterdão foi o rabino Isaac Aboab da Fonseca.
Isaac Aboab da Fonseca
(Castro Daire, 1605-Amesterdão, 1693)
Isaac Aboab da Fonseca nasceu em Castro Daire, numa família de cristãos-novos e foi baptizado com o nome de Simão da Fonseca. Aos 7 anos chegou a Amesterdão com os pais, tendo sido educado a partir dessa altura na religião judaica. Isaac frequentou estudos rabínicos na comunidade sefardita, sob a orientação do rabino Isaac Uziel. Em 1626 foi nomeado rabino da congregação Bet Israel, vindo a ser também responsável pela primeira aula de Talmude nos cursos superiores do colégio rabínico sefardita.
Entre 1642 e 1654 Isaac Aboab da Fonseca foi rabino da comunidade sefardita do Recife, Pernambuco, então uma colónia holandesa, sendo o primeiro rabino no continente americano.
O Brasil Holandês
A invasão do Pernambuco de 1630, pelo esquadrão naval holandês comandado por Hendrick Corneliszoon Lonck (Nicolae Visscher)
Em 1621 foi criada na Holanda a Companhia das Índias Ocidentais, com o propósito de comerciar nos vastos domínios ultramarinos de Portugal e Espanha. No Brasil, o alvo da Companhia era o pau-brasil e o açúcar.
Em 1624 os holandeses ocuparam a cidade de Salvador, na Bahia, mas pouco tempo depois uma expedição conjunta de portugueses, espanhóis e napolitanos, obrigou à sua retirada. Bem sucedidos em 1630, os holandeses apossaram-se do Pernambuco, que ficaria sob a sua alçada até 1654.
Maurício de Nassau-Siegen, 1637, V. Mierefeld
Nos sete anos que decorreram de 1637 a 1644, a colónia holandesa do Brasil foi governada pelo conde Maurício de Nassau-Siegen. Durante o seu governo, Nassau criou concelhos municipais e rurais, modernizou a cidade do Recife, dotando-a de arruamentos, estradas e pontes; na ilha António Vaz fundou a cidade de Mauritsstad (também conhecida por Maurícia), onde criou um observatório astronómico e uma estação meteorológica, os primeiros criados por europeus no continente americano. Da sua comitiva faziam parte artistas, que registaram na tela as cores luxuriantes do Novo-Mundo e as suas gentes exóticas…
“Vila Formosa de Serinhaém”, 1638, Frans Post
Engenho da Cana do Açúcar, 1668, Frans Post
Dança Tapuia, 1641, Albert Eckhout
Mercado de Escravos no Recife, 1644, Zacharias Wagener
Uma das características mais marcantes do período colonial holandês no Pernambuco foi a da liberdade religiosa. Essa liberdade associada a um crescimento económico exponencial atraiu um grande número de judeus portugueses de Amesterdão, assim como de cristãos-novos que a Inquisição portuguesa tinha atirado para o degredo no Brasil.
Em 1636 foi fundada no Recife a Sinagoga Kahal Zur Israel (Congregação Rochedo de Israel), a primeira nas Américas. Dispunha de duas escolas religiosas e de Mikveh. É nesta conjuntura que Isaac Aboab da Fonseca é convidado para rabino da comunidade sefardita do Recife, posto que ocupa de 1642 a 1654.
Em 1644 Maurício de Nassau demite-se das suas funções, por discordar da orientação da Companhia das Índias Ocidentais. Começa aqui o declínio do poder holandês no Brasil, que culminará com a reconquista do território pelos portugueses.
O poema litúrgico Mi Chamocha (“Quem como Tu?”), com música e letra do rabino Isaac Aboab da Fonseca, expressa o desespero dos habitantes do Recife durante o cerco das forças luso-brasileiras em 1646. Testemunhos holandeses relatam que a fome era tanta, que a população se viu obrigada a alimentar-se de cães e gatos.
O poema é também de agradecimento a D’us pela chegada de dois navios holandeses com provisões, o Walk e o Elizabeth.
Mi
Chamocha (“Quem como Tu?”), Isaac Aboab da
Fonseca, Recife
Musica Brasilis - Ruben
Araújo, tenor
Em
1654 as forças luso-brasileiras, comandadas pelo general Barreto de Menezes,
reconquistam o Recife para a Coroa portuguesa. Barreto de Menezes é instituído
governador do Pernambuco e lida com os vencidos com grande sentido de honra.
Consentiu que vendessem os seus bens e forneceu-lhes navios para regressarem à
Holanda. Faltando embarcações holandesas em número suficiente para uma
evacuação total, deu 16 embarcações portuguesas aos cerca de 600 judeus,
salvando-os das garras da Inquisição. A maioria regressou à Holanda, incluindo
Isaac Aboab da Fonseca que, uma vez em Amesterdão, retomou as suas funções
rabínicas. Alguns decidiram instalar-se nas colónias holandesas das Caraíbas.
Nova
Amesterdão, 1650, Pieter Schenck
Para
um dos navios, que transportava 23 judeus portugueses, a viagem foi mais
atribulada: atacado por corsários espanhóis ao largo do cabo de Santo António,
em Cuba, foi resgatado por um navio francês, que levou os passageiros em
segurança para a colónia holandesa de Nova Amesterdão (actual Nova Iorque), na
ilha de Manhattan. Estes judeus foram os primeiros a chegar à América do Norte,
e os mesmos que lá fundaram a primeira comunidade judaica, a Shearith Israel
(Remanescente de Israel).
Este artigo foi
elaborado e oferecido ao Eterna Sefarad por,
Sónia Craveiro
Muito obrigada
Beijinhos
Fontes:
DICIONÁRIO
DO JUDAÍSMO PORTUGUÊS, EDITORIAL PRESENÇA