Vestígios da Lisboa Romana encontrados entre a Rua dos
Douradores
e a Rua dos Fanqueiros.
A prevista
transformação num hotel do edifício onde outrora funcionou o Convento Corpus
Christi, entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua dos Douradores, determinou a
realização de uma campanha arqueológica que permitiu encontrar vestígios do
período romano. Cinco tanques de salga foram até agora o achado mais
surpreendente.
Texto:
Fernanda Ribeiro
Fotografias:
Luísa Ferreira
Uma malograda tentativa de assassinato de João IV, ocorrida em
1647 durante a procissão do Corpo de Deus, levou a rainha D. Luísa de Gusmão a
mandar erguer na actual Rua dos Fanqueiros o Convento do Corpus Christi,
para celebrar o facto de o rei ter escapado ileso.
É na zona desse antigo Convento, parcialmente destruído pelo terramoto e que
hoje está ainda ocupado por lojas e habitações, que decorrem agora escavações
arqueológicas. Elas já permitiram encontrar ossários e vários níveis de
ocupação, a mais surpreendente das quais se revelou com o achado de cinco
tanques de salga romanos, as cetárias, onde se guardava o pescado e se produzia
o garum, um molho de peixe usado pelos romanos e também pelos gregos.
As escavações em curso, precedidas por sondagens prévias feitas em 2011,
iniciaram-se há cerca de dois meses e estão a cargo da Empatia, empresa de
arqueologia do Porto chamada pelos proprietários do edifício que ocupa todo um
quarteirão entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua dos Douradores e pertence
actualmente ao fundo imobiliário Corpus Christi, associado ao grupo Espírito
Santo e à seguradora Tranquilidade.
Numa primeira fase, o que mais surpreendeu os arqueólogos, que encontraram
níveis da época da construção do convento, bem como níveis do terramoto, foi
sobretudo a descoberta de níveis de ocupação romana.
Não é anormal, reconhecem, até porque, um pouco mais abaixo, na Rua da Prata,
há o criptopórtico e as galerias romanas que a câmara municipal abre ao público
uma vez por ano. Mas as cetárias agora detectadas estão mais para o interior da
cidade. Indicam que nas proximidades deveria haver um ponto de escoamento dos
produtos ali guardados. E a descoberta foi estimulante para o trabalho que está
a ser desenvolvido.
Na primeira fase dos trabalhos, foram detectadas duas zonas de enterramento.
Uma delas na área que tem acesso pela Rua dos Douradores, onde foi descoberto
um ossário bastante grande. Parte dele foi já removido, depois de ter sido
desenhado, fotografado e de se terem tirado cotas às peças encontradas.
No ossário descoberto junto à Rua dos Douradores,
existem várias
partes de esqueletos.
À vista está ainda uma amálgama de partes de vários esqueletos
humanos, em que se destaca um crânio e, já um pouco mais enterrados,
extremidades de ossos de pés e de mãos, que permitem supor a existência de
outros enterramentos por baixo deste, como explicou ao Corvo uma das
arqueólogas e antropólogas da equipa da Empatia envolvida nestes trabalhos.
“Devemos ter enterramentos por baixo, mas estamos à espera de tirar o ossário
para prosseguir as escavações e alargá-las, porque podem estender-se também
para lá da porta (que conduz a uma outra sala) ”, afirmou a antropóloga da
equipa da Empatia.
Sobre a época a que remontam estas ossadas, o que se sabe é que
elas estão balizadas no tempo, entre a data da construção do Convento, 1648 e
1834, a data da extinção das ordens religiosas. Depois disso, em Lisboa deixou
praticamente de haver enterramentos nas Igrejas, como sucedia até então.
A datação dos ossos será sobretudo feita através de outros
materiais associados a eles, encontrados no mesmo local, explica a arqueóloga.
O que se vê nos filmes e nas séries de televisão, em que, por processos
laboratoriais, em escassos minutos se consegue datar um esqueleto, não acontece
com a mesma rapidez na realidade. Além de ser um processo caro e uma prática
pouco seguida ainda em Portugal.
Na sala contígua à do ossário, estão os tanques de salga
romanos, a uma cota que não é sequer muito baixa. Uma dessas cetárias está
completa e as outras não. Este achado vai determinar o alargamento da sondagem,
para confirmar se há mais tanques de salga para sudoeste da Rua dos Douradores.
Uma terceira fora já encontrada na anterior escavação feita no Convento, do
lado virado à Rua dos Fanqueiros.
Em
busca da velha judiaria
Aí foi também encontrada outra zona de enterramentos, com vestígios
de caixões e contendo ossos de esqueletos que foram entretanto removidos. Há
também muita pedra de grandes dimensões, alguma dela talhada, que poderá ser do
piso do Convento. “Mas, para já, o que temos pela frente é uma incógnita”, diz
o arqueólogo Filipe Soares Pinto, da Empatia.
Níveis medievais não apareceram ainda. Nos vestígio já
descobertos há um “salto” no tempo: da época da construção do Convento, vai-se
directamente para os níveis romanos. A expectativa dos arqueólogos é agora
saber se ali se poderá encontrar a velha judiaria, tendo em conta que a nova
judiaria se encontra na zona mais baixa da cidade, onde actualmente está o
Museu do Banco de Portugal.
“Há uma série de áreas que revelam algumas surpresas, e é isso
que obriga ao alargamento dos trabalhos. Depois, não sabemos o que irá
aparecer”, diz um dos arqueólogo da equipa da Empatia.
Falta de empatia com as escavações, uma paixão para quem as
faz, sentem os muitos lojistas que
ocupam a zona térrea do antigo Convento, aos quais é pedido pelos proprietários
do imóvel que abandonem o edifício a troco de quase nada – o pagamento de um
ano de rendas –, o que tem levado muitos deles a não permitir a entrada dos
arqueólogos nas áreas que têm por enquanto arrendadas.
Os proprietários do antigo Convento, o fundo imobiliário Corpus
Christi, associado à Tranquilidade, quer que os inquilinos saiam até Setembro,
para iniciar as obras do hotel, que terão também de aguardar a conclusão das
sondagens arqueológicas.
O tanque de salga romano agora descoberto revela-se um vestígio
importante.
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