Georg
Friedrich Händel (1685-1759)
“Rinaldo” é uma ópera em três atos, estreada
em Londres no ano de 1711, do compositor alemão Georg Friedrich Händel, mais
tarde naturalizado inglês. O libreto é de Aaron Hill e baseia-se no poema de
Torquato Tasso “Gerusalemme Liberata”, de 1580. A ação desenrola-se na época da
Primeira Cruzada (1096-1099), quando o exército chefiado por Godofredo de
Bulhão avança vitorioso para a sua última missão: a conquista de Jerusalém aos
muçulmanos.
Rinaldo
e Armida, 1734, François Boucher, Museu do Louvre
Rinaldo, descrito como um
temerário cavaleiro cruzado, é enfeitiçado por Armida, uma feiticeira de
Damasco aliada de Argante, o muçulmano que governava Jerusalém. Armida retém
Rinaldo no seu jardim encantado na Síria, e ambos vivem um amor ardente.
Entretanto, Almirena, a filha de Godofredo prometida em casamento a Rinaldo,
chora a sua desventura. No final, Rinaldo liberta-se do feitiço de Armida,
regressando aos seus deveres de cavaleiro cristão.
Na época de Händel, a finalidade de cada
ópera era mostrar os personagens principais, isto é, os cantores, numa
variedade de situações emocionais fortes que se sucediam umas às outras. O tema
principal era o amor frustrado, sendo os temas secundários as lealdades
conflituosas e as ambições desmedidas. O final tinha de ser sempre feliz.
Após estes considerandos, propomos a
audição da ária Lascia ch’io pianga (“Deixa que eu chore”), uma das mais
famosas da ópera “Rinaldo”; nela, Almirena, filha de Godofredo de Bulhão, chora
o seu amor não correspondido por Rinaldo. Escolhemos uma passagem do filme Farinelli
(1994) de Gérard Corbiau, que retrata a vida do famoso castrato Carlo Broschi, que ficaria para a posteridade como Farinelli.
Como se pode verificar, a futilidade do
libreto não corresponde à densidade dramática da música. Aliás, numa época em
que o público nem sequer questiona a crueldade exercida sobre milhares de
meninos que, ano após ano, são castrados para satisfazer uma moda, ou seja, o
“requinte” de ouvir vozes de características únicas, é difícil exigir mais
seriedade. Então e Jerusalém? Para a mentalidade europeia do século XVIII
bastava saber que os cristãos tinham conquistado Jerusalém.
Mas, e nós, judeus, como é que nós
lembramos esta conquista de Jerusalém? As palavras de Elie Wiesel - Ser judeu, é reclamar o nosso direito à
memória bem como o dever de a manter viva -, expressam tudo quanto queremos
dizer sobre a memória, porque a memória cria laços entre o passado e o
presente. Importa, assim, lembrar o que aconteceu aos judeus na Primeira
Cruzada.
A
GUERRA SANTA
Peregrinos
cristãos diante da Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém, guardada por
sarracenos
Na
Guerra Santa levada a cabo pelos cruzados, o objetivo era lutar contra os
inimigos infiéis, quer fossem judeus, muçulmanos, pagãos, ou heréticos. Mas, o
grande inimigo era o infiel que dominava o Santo Sepulcro: os muçulmanos. Entretanto,
a Europa enfrentava alguns problemas internos, como a luta entre o poder
religioso e o poder civil, ou o crescimento demográfico que se verificou no
século XI, aumentando o número de marginalizados que procuravam formas de
sobrevivência; o banditismo foi uma delas. Então, que resposta dar ao problema
religioso e a uma insegurança motivada por um crescimento desgovernado da
população?
Papa
Urbano II exorta à Cruzada
O
Papa Urbano II (1088-1099) encontrou a solução: deslocar a atenção dos
problemas internos e canalizar energias para a conquista do Santo Sepulcro em
Jerusalém, apelando à Cruzada, de maneira a unir os cristãos, reafirmar o poder
da Igreja e fortalecer a autoridade papal. Importa salientar que os cristãos
ortodoxos de leste precisavam urgentemente da ajuda dos cristãos ocidentais,
pois estavam a ser atacados pelos turcos seljúcidas na Anatólia. Mas antes que
se organize a Primeira Cruzada ou Cruzada dos Nobres, nasce a chamada Cruzada
Popular ou dos Mendigos.
OS
MASSACRES DA PRIMEIRA CRUZADA
Massacre
de Judeus na Primeira Cruzada, Bíblia séc. XIII
Pedro,
o Eremita, mostra o caminho de
Jerusalém aos cruzados (iluminura de c. 1270)
Cruzados
durante o saque
Massacre
dos peregrinos de Pedro, o Eremita
.....Sem recursos financeiros,
preparação militar, ou qualquer tipo de disciplina, os peregrinos da Cruzada
dos Mendigos foram praticamente exterminados por soldados muçulmanos, em Niceia,
na Anatólia (atual Turquia), em Outubro de 1096, nunca chegando à Terra Santa. O
monge Pedro conseguiu fugir.
A
CONQUISTA DE JERUSALÉM
Godofredo
de Bulhão conquista Jerusalém, Gustave Doré
MEMÓRIA
E LEGADO DAS CRUZADAS
Na memória das populações locais
do Médio Oriente, os movimentos
militares dos cristãos foram vistos como invasões. Chamaram-lhes as Invasões
Francas.
As cruzadas, se por um lado aprofundaram o
desentendimento entre cristãos e muçulmanos, sem esquecer um racismo crescente
em relação aos judeus, por outro estimularam as relações económicas e culturais
entre a Europa e a Ásia Menor. A Europa passou a conhecer produtos
como o algodão e o açúcar. Finalmente, as cruzadas influenciaram a cavalaria
europeia e durante séculos inspiraram a literatura. Exemplo disto é o poema
“Gerusalemme Liberata”, que está na base da ópera “Rinaldo” de Händel.
Se quisermos usar de uma certa liberdade,
podemos interpretar as palavras de “Lascia ch’io pianga” como uma memória
dolorosa das dores infligidas pela intolerância, naquele tempo, que se repetiu
tantas vezes nesta nossa Europa.
Lascia ch'io pianga, mia cruda
sorte,
e che sospiri la libertà.
Il duol infranga queste ritorte
de' miei martiri, sol per
pietà!
que
eu suspire pela liberdade.
A
dor quebra estas cadeias
dos
meus martírios, só por piedade!
Este
artigo foi-me oferecido na íntegra pela minha amiga
Sónia
Craveiro,
A quem
mais uma vez agradeço com imenso carinho
Muito
obrigada
Fontes:
Sónia Craveiro
GALWAY,
James, “A Música no Tempo”, Gradiva;
HISTÓRIA UNIVERSAL COMPARADA, vol. V, Círculo de Leitores;
è impressionante como não a historia, mas as pessoas ocultam isso, é muito fácil falar que nessas conquistas cristãos "Católicos" perseguiam cristãos em Jerusalém e muçulmanos, onde na realidade cristãos perseguiram Judeus e muçulmanos. Parabéns pela postagem, se todos que passam por aqui tivessem o trabalho de lê-la seria uma maravilha.
ResponderEliminarShalom Midian, irei tranmitir o seu elogio à minha querida amiga, pois o mérito é todo dela.
ResponderEliminarMuito obrigada,
Laila Tov!
Ziva David