JERUSALÉM
Cidade Santa das Três Religiões Abraâmicas
Postal ilustrado comemorativo da festa anual de Chanukah e da libertação de Jerusalém pelo General Allenby, que coincidiram na data de 9 de Dezembro de 1917. (Judas Macabeu e General Allenby em Jerusalém. M. M. Harris, Chanukah. Cincinnati, Ohio, EUA)
A 2 de Novembro de 1917, em plena Primeira Guerra Mundial, foi emitida a Declaração Balfour, segundo a qual o governo britânico se comprometia a apoiar os representantes do movimento sionista na criação de um Lar Nacional Judeu na Palestina, caso a Grã-Bretanha conseguisse derrotar o Império Otomano (aliado da Alemanha), que à data dominava a região. A 9 de Dezembro de 1917 o general Allenby entrou em Jerusalém à frente das tropas britânicas, pondo termo a 400 anos de domínio otomano na Palestina.
General Allenby em
Jerusalém – 11 de Dezembro de 1917
Os britânicos,
que governaram primeiro com um governo militar e a partir de 1920 até à
independência de Israel em 1948, com um mandato de administração atribuído pela
Liga das Nações, estabeleceram a sede administrativa do território em
Jerusalém.
Nos 30 anos que
se seguiram Jerusalém conheceu um crescimento urbano exponencial, beneficiando
de melhorias tecnológicas, tais como a electricidade ou a água canalizada, que
se tornaram uma realidade em muitos lares. Ao mesmo tempo, a violência e o
conflito germinavam na cidade. Duas forças opositoras nacionais colidiam nos
seus interesses, o que veio a reflectir-se no futuro do território.
Jerusalém.
Soldados britânicos evacuam judeus da Cidade Velha durante os motins
árabes,
1936 (Wikipedia)
Jerusalém.
Soldados britânicos escoltam um grupo de prisioneiros árabes na Cidade Velha,
durante os motins contra a autoridade britânica, 1938 (Wikipedia)
A revolta árabe
contra a tutela britânica, que exigia a independência de uma Palestina árabe e
o fim da imigração judaica, registou episódios de violência em 1920, 1921,
1929, 1935 e 1936-39. Em resposta ao terror árabe surgiram organizações
judaicas paramilitares: a Haganah, precursora do Exército de Israel; a Etzel (Irgun
Tzvai Leumi) e a Lehi, estas, duas organizações cujas actividades se
caracterizaram pelo terrorismo. O ambiente de guerrilha que se vivia no
território levou os britânicos a limitar a circulação em alguns sectores de
Jerusalém, criando as “zonas de segurança”. Entretanto a população civil, quer
árabe, quer judaica, vivia aterrorizada. A cada dia que passava, era maior o
abismo entre as duas comunidades.
Retirada do
Exército Turco, 9 de Dezembro de 1917, Jerusalém. Biblioteca da Universidade
Monash, Melbourne, Austrália
Para os
britânicos Jerusalém era uma cidade especial; estavam familiarizados com o seu
passado glorioso através da Bíblia e das lições de história. Mas a cidade que
encontraram no Inverno de 1917 achava-se numa situação desesperada. A retirada
do exército turco tinha levado as provisões mais básicas, como comida,
combustível e medicamentos; muitas das tradicionais fontes de abastecimento de
bens alimentares ficavam além das linhas de frente; as estradas estavam
arruinadas e a quase totalidade das linhas ferroviárias tinha sido
desmantelada; grande parte da população masculina tinha sido deslocada; os
serviços sanitários tinham cessado e as epidemias pareciam inevitáveis. À
situação já de si dramática, juntava-se a escassez de água.
Enforcamentos pelo
exército turco junto à Porta de Jafa, Jerusalém, 1917
Neste cenário
devastador os habitantes de Jerusalém estavam felizes por se terem libertado
dos abusos do exército turco, depositando grandes expectativas na chegada das
tropas britânicas. Contudo, a má experiência recente com uma ocupação militar
de grande escala era motivo de apreensão, nomeadamente quanto ao impacto no
abastecimento de água e comida, já tão restritivo.
O Alto Comissário
para a Palestina, Herbert Samuel (sentado ao centro) e o Governador de
Jerusalém, Ronald Storrs (em pé, o quarto a contar da direita) recebem os
representantes religiosos da cidade, depois de um serviço para comemorar a
libertação britânica, 1924.
Em 28 de Dezembro de 1917 Ronald Storrs foi
designado governador militar de Jerusalém (mais tarde governador civil), em
substituição do general Bill Borton que ocupou o cargo apenas durante algumas
semanas. Storrs tinha pela frente uma tarefa gigantesca: impedir que a
população morresse de fome, de desidratação, de epidemias e de frio. A primeira
coisa que Storrs fez, com a assistência do general Allenby, comandante da Força
Expedicionária Egípcia, foi importar 200 toneladas de trigo do Egipto. As
linhas ferroviárias foram reparadas, transportando água para a cidade enquanto
as condutas eram instaladas.
Para além de
abastecer a cidade de comida e impedir que a população morresse literalmente de
fome, a administração britânica foi muito eficaz no domínio da saúde pública.
Jerusalém já tinha muitos hospitais, mas a saúde pública, severamente afectada
no período da Grande Guerra, enfrentava a possibilidade eminente de epidemias.
A nova administração tomou várias medidas para corrigir a situação: removeu
quantidades maciças de lixo; instalou caixotes de lixo públicos; toda a
população foi vacinada contra a varíola; piscinas e cisternas foram cobertas
com repelente de mosquitos, numa campanha bem-sucedida para erradicar a
malária.
Judeus de Bucara
na Festa dos Tabernáculos (Sukkot) em Jerusalém, 1900-1920. American Colony (Jerusalem).
Library of Congress, Washington D. C.
A Revolução de
Outubro, na distante Rússia, teve um impacto maior na vida de Jerusalém. Os
residentes do influente e elegante Bairro de Bucara eram imigrantes abastados
de Bucara, no Uzbequistão Russo, que dependiam essencialmente de negócios que
mantinham na sua terra natal. A recém-formada União Soviética nacionalizou
esses negócios, negando-lhes assim a sua fonte principal de rendimento. Durante
a Primeira Guerra Mundial o exército turco ocupou diversos edifícios do bairro
e abateu quase todas as árvores. Os dois factores juntos determinaram o rápido
declínio do Bairro de Bucara.
Procissão de
Páscoa do Patriarcado Grego Ortodoxo a entrar na Igreja do Santo Sepulcro,
Jerusalém, 1903. Underwood & Underwood, Londres
O Patriarcado
Grego Ortodoxo de Jerusalém tinha adquirido vastas propriedades, onde
desenvolvia projectos de construção financiados pelo Governo Russo Czarista (o
Czar via-se a si próprio como protector e benfeitor de todos os cristãos
ortodoxos). A suspensão de fundos que se verificou devido à I Guerra Mundial,
depois tornada permanente pela Revolução de Outubro, mergulhou o Patriarcado
Grego numa crise profunda. De forma a aliviar as pesadas dívidas, foram
vendidos muitos lotes de terreno que viriam a constituir as bases da expansão
urbanística de Jerusalém daquele tempo.
“Complexo Russo” em Jerusalém, 1863
O “Complexo
Russo”, que abrangia uma área de 17 hectares na parte central de Jerusalém, era
composto pela Catedral Russa Ortodoxa da Santa Trindade e por um conjunto de
edifícios que serviam como albergues a milhares de peregrinos russos ortodoxos,
desde a sua criação em 1860. A mudança de regime na Rússia estancou o fluxo de
peregrinos e de meios para manter o “Complexo”. Vários edifícios foram arrendados
às autoridades britânicas, onde foram instaladas esquadras de polícia,
tribunais e uma prisão.
O Patriarca de
Jerusalém junto à Catedral Russa Ortodoxa da Santa Trindade,
“Complexo Russo”,
Jerusalém
A mudança de
regime na Rússia também gerou conflitos no que toca ao direito de propriedade
da Igreja Russa Ortodoxa em Jerusalém, dividindo-se esta em duas facções: a
Igreja “Vermelha”, que se identificava com os comunistas e a Igreja “Branca”,
que se mantinha fiel aos familiares do czar no exílio. Cada uma das facções
reclamava o direito de propriedade das várias igrejas e mosteiros russos, em
Jerusalém. A disputa seria resolvida na década de 1950 pelo governo de Israel,
que comprou a maior parte do “Complexo”.
Casa Bonem – Beit
Bonem, Rehaviah, Jerusalém.
Nos anos 1920
os jerosolimitanos mais abastados, querendo melhorar a sua qualidade de vida,
adoptaram um estilo de bairro desenvolvido à maneira inglesa, conhecido por
“Garden Suburb”. A filosofia do “Garden Suburb” consistia em criar uma moradia
unifamiliar rodeada de jardins; as ruas seriam cuidadosamente planeadas, com
alamedas arborizadas. Rehaviah (como o nome de um dos netos de Moisés (1
Crónicas 23:17), é um dos bairros ajardinados dos subúrbios de Jerusalém e foi
construído em terrenos comprados ao Patriarcado Grego Ortodoxo.
Nos anos 30,
com a chegada de Hitler ao poder, deu-se uma vaga de emigração judaica da
Alemanha para a Palestina, da qual faziam parte arquitectos proeminentes. Esses
arquitectos, que tinham sido influenciados pela Escola Bauhaus, produziram
exemplos Bauhaus de excelência, como a casa do Dr. Bonem em Rehaviah,
construída em 1935-36 pelo arquitecto/artista Leopold Krakauer.
Casa Francis –
Beit Francis, Bakah, Jerusalém. Fotógrafo: Shmuel Bar-Am
Bakah,
actualmente um dos “Garden Suburbs” de Jerusalém, nasceu ainda nos finais do
século XIX, junto à antiga estação de caminhos-de-ferro que ligava Jerusalém a
Jafa. É desse período uma das casas mais carismáticas de Bakah; construída para
a família Francis, uma família cristã árabe, a Casa Francis, com os seus arcos
largos, era originalmente térrea. Os andares superiores foram acrescentados em
1920.
Nova Sede dos
Correios, Jerusalém, 1938. Matson Photo Service
Os britânicos,
reconhecendo a necessidade de Jerusalém preservar o seu carácter único, a nível
paisagístico, histórico e cultural, pretendiam ao mesmo tempo transformá-la
numa cidade moderna. Nesse âmbito, Ronald Storrs publicou uma lei determinando
que toda a construção da cidade teria de usar “a pedra nativa de Jerusalém” (pedra
usada em construções como o Muro das Lamentações). Esta lei, ainda em vigor,
tem salvaguardado a beleza única da cidade. Um dos melhores exemplos desta
determinação britânica é o edifício da Nova Sede dos Correios de Jerusalém, do
arquitecto Austen St. Barbe Harrison, inaugurado em 1938.
Monte Scopus.
(Vista do deserto da Judeia, do Mar Morto e dos Montes Moab). Cerimónia de
Inauguração da Universidade Hebraica de Jerusalém. 1 de Abril de 1925. Álbum
Mizpah.
Em 1914 a
Organização Mundial Sionista comprou uma propriedade de Sir John Gray Hill, no
Monte Scopus em Jerusalém, com o propósito de aí construir uma universidade. A
Universidade Hebraica de Jerusalém foi inaugurada a 1 de Abril de 1925. Ao
tempo tinha apenas um edifício: a Escola de Química e Instituto de
Microbiologia Dr. Chaim Weizman. No primeiro ano a instituição acolhia 164
estudantes e tinha uma colecção de 82 500 livros. Para os judeus, a nova
universidade, além de ser uma instituição de ensino superior, tornou-se num
símbolo de progresso e renascimento de um povo.
Jerusalém, Palace
Hotel, c. 1930 (Wikipedia)
Waldorf Astoria
Jerusalem (antigo Palace Hotel) Pormenor da fachada com versos do Corão
(clique na imagem para aumentar)
No lado
ocidental da cidade foram construídos hotéis de luxo, respondendo assim às
exigências dos novos tempos. O Palace Hotel, com projecto do arquitecto turco
Nahas Bey, foi construído em 1928-29 por iniciativa do Supremo Conselho
Muçulmano de Jerusalém. Como veio a verificar-se, o Palace não foi
financeiramente viável; terminada a sua carreira como hotel, o edifício passou
a alojar escritórios da administração britânica. Em 1948, com a fundação do
Estado de Israel, foi sede do Ministério da Indústria e do Comércio. Depois de
um percurso muito atribulado, em 2006 foi comprado pela família Reichman, do Canadá.
Hoje, primorosamente restaurado, é o Waldorf Astoria Jerusalem.
King David Hotel, Jerusalem. Matson Photograph
Collection, 1931.
Library of Congress, Washington,
D. C.
Hotel David depois
do atentado bombista executado pelo Irgun.
Fotografia publicada no Jerusalem
Post, Julho de 1946
A Palestine
Hotel Company, uma empresa com capital da família Mosseri (banqueiros judeus
egípcios), comprou lotes de terreno ao Patriarcado Grego Ortodoxo, com a
finalidade de construir um grande hotel de luxo em Jerusalém. O King David
Hotel, com projecto do arquitecto suíço Emil Vogt, abriu em 1931.
Durante os
motins árabes de 1936-39, o exército britânico arrendou o último andar do
hotel, onde passou a funcionar um quartel general de emergência. Mais tarde,
toda a ala sul foi transformada no centro militar e administrativo britânico da
Palestina. Em Julho de 1946, uma bomba colocada na cozinha pelo Irgun, matou 91
pessoas, feriu 46, destruindo a ala sul do edifício. Em 1967, depois da
reunificação de Jerusalém, a nova gerência reabilitou o hotel e acrescentou-lhe
dois andares. Desde então, o King David Hotel tem recebido muitas
personalidades ilustres.
YMCA, Jerusalém,
c. 1933. Colecção Particular
Em 1924,
contribuições do filantropo James Jarvie de Nova Jérsia, da YMCA americana e
britânica e da Comunidade Judaica de Manchester, tornaram possível a aquisição
de terrenos ao Patriarcado Grego Ortodoxo, com o fim de construir um centro
YMCA. Inaugurado em 1933, o centro está dividido em três unidades: secção
principal, com hotel e instalações para actividades educativas, auditório e uma
ala desportiva. O projecto tem assinatura de Arthur Louis Harmon, o mesmo
arquitecto do Empire State Building em Nova Iorque.
As 40 colunas do pátio...
...e os 12 ciprestes do jardim do Hotel YMCA, em Jerusalém
O edifício foi
concebido de maneira a transmitir uma atmosfera onde as três religiões
abraâmicas pudessem encontrar expressão. Deste modo, as 40 colunas do pátio
representam, tanto os 40 anos em que os israelitas vaguearam pelo deserto antes
de entrarem na Terra Prometida, como os 40 dias da tentação de Jesus. No jardim
foram plantados 12 ciprestes, simbolizando as 12 tribos israelitas, os 12
discípulos de Jesus e os 12 seguidores de Maomé.
Sarcófagos,
cemitério de Deir el-Balah, Idade do Bronze, séc. XIX-XIII AEC; o Grande Rolo
de Isaías, Qumram, século I AEC; Estátua do imperador Adriano, Campo da Sexta
Legião, Tel Shalem, Vale Beth Shean, período romano, 117-138 EC. Museu
Arqueológico Rockefeller, Jerusalém, Israel
A intensa actividade arqueológica na Terra Santa nas
primeiras décadas do século XX, despoletou a necessidade de ter um foro digno
onde armazenar e exibir os achados. O filantropo americano John D. Rockefeller
(um cristão devoto), doou 2 milhões de dólares para construir, equipar e manter
um museu com esse fim. Rockefeller estipulou que as exibições do museu deveriam
mostrar o papel desempenhado pelos povos da Terra Santa na história do mundo.
Museu Arqueológico
Rockefeller, Pátio Interior, Jerusalém, Israel
O Museu
Arqueológico Rockefeller, cujo projecto foi confiado ao arquitecto Austen ST.
Barbe Harrison, foi inaugurado em 1938 e integra o Museu de Israel desde 1968.
Da sua colecção fazem parte milhares de artefactos, que vão desde os tempos
pré-históricos até ao período otomano. Entre os seus tesouros encontram-se os
Manuscritos do Mar Morto.
Os últimos
soldados britânicos do Mandato Britânico para a Palestina descem a sua
bandeira, Porto de Haifa, Junho de 1948 (AFP/Getty)
O Mandato
Britânico para a Palestina terminou a 14 de Maio de 1948. Nas ruas da Cidade
Velha ouviram-se as gaitas de foles anunciando a partida dos soldados
britânicos. Das janelas e na soleira das sinagogas, anciãos de longa barba
observavam o desfile. Desde há três mil anos que os seus antepassados
testemunhavam a partida de muitos outros ocupantes: assírios, babilónios,
persas, gregos, romanos, cruzados, árabes e turcos. Desta vez, cabia aos
militares britânicos deixarem Jerusalém.
Este artigo é da autoria de:
Sónia Craveiro
Muito obrigada J
Fontes:
LAPIERRE, Dominique, COLINS, Larry,
Oh Jerusalém, Bertand Editora
INGEBORG
RENNERT CENTER FOR JERUSALEM STUDIES - Bar-Ilan University - Ramat-Gan, Israel
-
Muito bom! Obrigado pela excelente informação!
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