Extinção da Inquisição em
Portugal
Cortes portuguesas
(1822)
Cada vez menos temida e inoperante, a Inquisição foi
formalmente extinta em Portugal no dia 31 de Março de 1821, nas Cortes Gerais.
Após uma primeira tentativa de D. Manuel I, em 1531
(Clemente VII concedeu-a e no ano seguinte anulou a decisão), a Inquisição
chegou mesmo Portugal no dia 23 de Maio de 1536, com D. João III, no tempo do
Papa Paulo III, por influência de Carlos V de Habsburgo.
É corrente entre os historiadores afirmar que é aqui que
começa a decadência das nações ibéricas, embora a Espanha ainda tivesse um
século de oiro pela frente. Parece que sim, não só por causa da expulsão dos
judeus, que foram alimentar o dinamismo dos Países Baixos e depois das
Américas, e dos muçulmanos, mas também pelo fecho de mentalidades que isso
significou e pela promoção da desconfiança e da delacção. A inveja e o medo
deram-se bem à sombra do tribunal religioso-político da Inquisição.
O projecto de abolição da Inquisição esteve a cargo do
matemático e professor Francisco Simões Margiochi (1774-1838), que expôs assim
o assunto (excerto do que disse nas cortes, na sessão de 24 de Março de 1821):
“Era licito a toda pessoa, por mais perversa que fosse, ser
denunciante, ou accusador. Toda a pessoa por mais virtuosa que fosse, era
subjeita a estas accusações: nem o sexo eximia, nem a idade. As accusações erão
recebidas apezar da incoherencia das testemunhas: nada importava que huma
testemunha allegasse hum facto acontecido em Coimbra, e outra o mesmo facto
acontecido em Lisboa, não se achava incoherencia. Nada importava que se
asseverasse que o facto tinha passado hum anno, ou dez annos depois. Parece que
se não queria senão ter victimas para atormentar. Admittida a accusação,
procedia-se logo á prisão desculpadas, ou dos reos. Hia-se a sua casa; todas as
Justiças, toda a força armada era obrigada a executar as ordens da Inquisição:
era o preso transportado para as prisões da Inquisição, toda a sua familia era
posta fora da casa, a casa ficava trancada, e a familia abandonada á sua sorte.
Transportado o preso ás prisões da Inquisição, entrada em huma habitação muito
pequena inteiramente escurecida, em hum espaço muitas vezes menor do que
aquelle em que se põe os mortos. Alli passava mezes, e annos sem ser
perguntado, sem chegar ás mesas dos inquisidores. Quando era perguntado não da
para se oppôr á sua accusação, era para addivinhar quem tinhão sido os seus
accusadores. Se depois de denunciar por accusadores seus filhos, ou seus pays,
seus collegas, seus parentes, todos os seus amigos, seus conhecidos, todas as
pessoas do mundo de quem sabia os nomes, assim mesmo não acertava com seus
accusadores, em submettido aos tormentos. Estes tormentos erão polés,
cavalletes, fenos em braza, e outras cousas que a Arte descreve, e sabe
imaginar. Assistião a estes tormentos os Deputados da Inquisição, assistião
Facultativos para ver se os desmayos que os atormentados mostravão, erão
verdadeiros, ou fingidos: quando lhes parecião verdadeiros davão-lhes confortos
para torna-los ávida, por medo de que escapassem as victimas. Quando de pois
destes tormentos elles não acertavão senão com parte de seus accusadores, erão
classificados de diminutos. Quando acertavão com todos seus accusadores, erão
simplesmente condemnados (simplesmente) a gales, e a degredos para presídios.
Quando acertavão com parte só, já disse, que erão olhados como diminutos, e
sómente erão condemnados a garrote, e depois a serem queimados, e depois a
serem suas cinzas deitadas ao Tejo, ou aos males. Ora quando absolutamente não
addivinha vão seus accusadores, erão julgados impenitentes, e erão queimados
vivos, e suas cinzas espalhadas como disse. Depois destas Sentenças proferidas,
entregavão os seus processos ás Relações, aos Tribunaes Civis, e estes, sem
exame nenhum, as manda vão executar. A' execução disto chamavão ao Auto da Fé.”
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