SANTIAGO DE COMPOSTELA
Santiago de Compostela, a capital da
Galiza, é uma cidade com cerca de 95.700 habitantes internacionalmente famosa
como um dos destinos de peregrinação cristã mais importantes do mundo, na
altura de Roma ou Jerusalém.
Ligado a esta tradição, que remonta à fundação
da cidade no século IX, a sua catedral, cuja construção foi iniciada em 1075,
alegadamente alberga o túmulo de Santiago Maior, um dos apóstolos de Jesus
Cristo. A visita deste túmulo marca o fim da peregrinação, cujos percursos, os
chamados Caminhos de Santiago ou Via Láctea, alastram por toda a Europa
Ocidental.
As peregrinações aumentaram grandemente
a importância económica e política da cidade, tornando-se arcebispado em 1120.
Libertada da tutela de Braga, a outra grande sé da Galiza, a hierarquia
católica de Compostela passou a ter jurisdição por sobre a maioria de Leão e
das Astúrias e acabou sendo centro de um grande senhorio feudal religioso.
Mesmo Lisboa, libertada do domínio muçulmano em 1147, ficou oficialmente ligada
como sufragânea à Arquidiocese de Compostela até 1394, altura em que a capital
portuguesa é elevada para Sé Arquiepiscopal.
Desconhece-se exactamente quando
assentaram os Judeus em Santiago de Compostela. Os Caminhos de Santiago
supuseram um movimento continuado de peregrinos e mercadores procedentes de
diversos países, de todas as classes sociais, estilos de vida, etc. Mas para
que tudo isto corresse bem, foi precisa a existência de uma importante
estrutura, quer comercial, quer logística, em todo o caminho e em Santiago de
Compostela. Esta situação, especialmente frutífera, motivou a aparição da
Judiaria de Compostela.
Os Judeus que se assentaram em Santiago
de Compostela procuravam, em primeiro lugar, o comércio, pois a continuada
chegada de peregrinos fazia precisa a presença de prestamistas, fraldários,
mercadores e outros em segundo lugar, a igreja, pois os altos hierarquias católicas precisavam de jóias, cálices, sacrários,... pelo que joalheiros,
ourives e fabricantes judaicos se instalaram em Compostela, conhecedores das
procuras do clero. Porém, existe, ao menos na teoria, uma terceira e muito
importante razão que justificaria a presença de Judeus em Compostela: a
construção da Catedral.
A catedral de Compostela está cheia de
referências ao povo e à religião judaica. Por exemplo, no chamado Pórtico da
Glória, obra-prima do românico europeu, está representado o povo judeu no
extremo esquerdo enquanto no direito aparecem os gentios. Também aparecem talhadas
muitas figuras do chamado pelos cristãos "Velho Testamento", junto
com as do Novo.
Pórtico da Glória
No arco da esquerda, por exemplo, junto à imagem de Jesus Cristo pode-se distinguir a Eva e Adão e, logo a seguir, uma figura coroada que representa o patriarca Abraão, à que seguem a dos profetas Isaías, Jacob e Judá. No lado esquerdo aparece Moisés, segurando a Lei, acompanhado por Isaías, Daniel e Jeremias. Nos pilares sobre os quais descansa o arco lateral estão representados os profetas menores Oseias, Joel, Amós e Obadias.
Na Porta das Pratarias torna-se a encontrar de novo Isaías (rodeando a
Jesus Cristo), Moisés e Aarão, bem como o túmulo de Abraão. Mas, pelo seu valor
artístico, destaca a figura do Rei David, uma das obras-primas da arte
medieval.
Porta das Pratarias.
Na Idade Média as ornamentações de uma
catedral não se faziam apenas por questões estéticas, mas respondiam a uma
complexa simbologia. Cada elemento tenta significar algo dentro do conjunto da
catedral. Esta concepção simbólica estava em algumas ocasiões ligada aos
princípios da Cabala.
É preciso levar em conta que na Idade
Média a Bíblia era um livro interdito para o povo e que a presença dum grande
número de personagens e passagens bíblicas apenas se justifica pela presença de
artistas e pedreiros que conheciam as escrituras.
Parece justificada a participação de
artesãos judeus na construção da catedral de Santiago de Compostela durante o
século XII. Porém, existe uma questão que põe em causa esta tese: a religião
judaica proíbe expressamente as imagens, deixando como única possibilidade
dessa participação judaica em que fossem judeus convertidos ou estivessem
assessorados por Judeus que não executariam a obra, o que explicaria o profundo
conhecimento dos princípios cabalísticos e da Bíblia. Alguns historiadores
sustêm a tese de que o Mestre Mateus fosse de origem hebraica.
Localização da Judiaria de
Compostela. Foto Google Earth
A Judiaria de Santiago de Compostela estava localizada por
trás da catedral. A partir da Praça de Cervantes saem as ruas que formavam a
Judiaria compostelana, as Ruas Algália de Arriba e Algália de Abaixo e a Rua
dos Truques que liga estas duas. No outro lado da praça acham-se a Ruela de
Jerusalém e a Rua Tróia. O limite do bairro judeu encontrar-se-ia na actual
Capela das Ânimas e, a sul, com as ruelas e pequenas praças por volta da igreja
de Sam Miguel dos Agros.
Ruela de Jerusalém, na Judiaria
de Compostela.
Foto: Miguel Veny
Rua Nova na Judiaria de Santiago
de Compostela.
Fotos: Eva L. Parguinha
É possível que posteriormente, como no caso de Ourense, se
deslocassem para o eixo Rua Nova e Entre-Ruas.
Ruas e arruamentos da Judiaria
de Santiago de Compostela.
Enquanto o nome de Jerusalém resulta claramente
identificável com o povo judeu, segundo alguns expertos o nome Troia não provém
daquela cidade da Ásia Menor, mas da denominação original de Torá.
Rua da Troia na Judiaria de
Compostela.
Fotos do Google Maps
No caso do nome Algália, esta palavra procede da arabização
da palavra hebraica "Cabala" (em árabe Alcabala), o que reforça a
tese da existência de judeus estudiosos da cabala em Compostela e que estes
aplicariam os seus conhecimentos na construção da catedral.
R. da Algalia de Abaixo, na
Judiaria de Compostela. Foto Google Maps.
R. da Algalia de Abaixo vista da
R. dos Truques na Judiaria de Compostela.
Foto do Google Maps.
R. da Algalia de Arriba,
na Judiaria de Compostela. Foto do Google Maps
Paradoxalmente à importância da catedral e as grandes
possibilidades que oferecia a capital galega, a Judiaria de Santiago de Compostela
teve um tamanho reduzido e com pouco peso dentro da judiaria galega.
É em Santiago de Compostela que tem lugar em 1520 a
primeira referência ao Tribunal da Inquisição na Galiza, também chamado de
Tribunal de Santiago. Nessa altura é nomeado o primeiro inquisidor no Reino da
Galiza. A frieza ambiental que os inquisidores encontraram num reino tão
tolerante fez fracassar a missão para a qual esse tribunal foi criado.
Porém, a chegada de conversos portugueses perseguidos pela Inquisição
de Coimbra fez com que se enviasse um inquisidor especial para encarar a emigração
judaica que de Portugal entrava na Galiza. Nessa altura delimita-se pela
primeira vez a circunscrição territorial do Tribunal de Santiago abrangendo os
bispados de "Astorga, Tui, Mondonhedo, Lugo e Ourense". Mesmo assim,
os sucessivos inquisidores fracassaram na sua tentativa de implantar o
Tribunal.
É por isto que aos olhos da Inquisição em 1532 Galiza foi
colocada sob o tribunal de Valhadolid, conhecido como o Santíssimo ofício de Castilla
la Vieja e o reino de Leão. Todavia, os testemunhos recebidos da Galiza eram
muito poucos e quando se produziam, o Tribunal castelhano mal podia actuar.
Finalmente o Santo Ofício consegue estabelecer-se de vez em
Santiago de Compostela em 1574. Nessa altura, os inquisidores sediaram-se no
Palácio de Monte-Rei na Praça de Sam Miguel, lindando com a cerca oriental da
horta do mosteiro de São Martinho Pinário.
Doravante a perseguição contra os judaizantes galegos
estendeu-se ao longo de todo o século XVII, com fases de especial beligerância
(1604-11, 1616-21, 1624-31, 1634-41, 1654-64 e 1679-82). Na praça de Cervantes,
muito pertinho da Praça de S. Miguel chegaram a realizar-se autos-da-fé,
mantendo-se até os finais do século XVI a coluna por volta da qual se imporiam
as penas e em cujo pé se localizava o cadafalso.
Dentre os processos da inquisição na Galiza cabe destacar o
promovido contra 40 judaizantes em Ribadávia ou as investigações levadas a cabo
na zona de Valdeorras, coincidindo com o aumento das perseguições em Portugal,
o que fez com que os Judeus portugueses na sua fugida utilizassem Galiza, quer
como via de saída para outras comunidades europeias mais tolerantes, quer como
local de assentamento.
Em 1729 a Inquisição mudou-se para a Casa Grande do Hórreo
ou de Calo, um prédio situado extramuros frente à Porta da Mámoa (no canto que
hoje formam a R. do Hórreo e a R. da Fonte de Santo António).
Casa Grande do Hórreo/Casa da
Inquisição de Compostela.
Fontes:
(Por Caeiro)
Muito obrigado pela excelente postagem! Adicionei este link à minha postagem sobre os judeus na Galiza em um dos meus blogs educativos.
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